:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Entrevista com Boaventura de Sousa Santos sobre o Fórum Social Mundial

Êxito do fórum não produziu mudanças globais, diz sociólogo

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NAIRÓBI

Vítima de seu êxito, o Fórum Social Mundial vive um dilema entre a irrelevância e a tomada de posição. A opinião é de um entusiasta do evento, o catedrático de sociologia da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Boaventura Sousa Santos, 65. Leia a seguir trechos da entrevista que o sociólogo concedeu em Nairóbi. (ANA FLOR)


FOLHA - Qual é o futuro do Fórum?
BOAVENTURA SOUSA SANTOS
- O Fórum é vítima do seu êxito. É uma grande novidade política. Alguns tendem a pensar que ele se diluiu num "talk-shop": fala-se muito e nada acontece. Para estes, o Fórum deveria estar vinculado a uma forma política mais organizada. Entre os fundadores, os brasileiros, é dominante a posição de que as novas formas organizativas serão no espírito do Fórum, onde não há uma posição que exclua outras.

FOLHA - E qual a sua posição?
BOAVENTURA
- A minha posição é intermédia. O Fórum teve muito êxito, e não apenas de juntar pessoas. Foi de colocar na agenda internacional temas como a pobreza, o perdão da dívida, o tema ecológico. Por outro lado, muito da eficácia do Fórum não foi em âmbito global, foi no âmbito de país. Saiu do Fórum a política externa do Lula, e não se pode compreender os governos de esquerda da América Latina hoje sem essa energia da sociedade civil.

FOLHA - O presidente Lula não estará no Fórum Social Mundial, mas vai a Davos. O que o sr. acha disso?
BOAVENTURA
- É mais um desgosto que o presidente Lula nos dá. Não é o primeiro, não será o último. Era preferível que ele não fosse a nenhum.

FOLHA - Há pouco tempo, o sr. disse que o segundo mandato de Lula terá que ser diferente. Como?
BOAVENTURA
- No primeiro mandato, houve um capital enorme de aspirações populares canalizadas para Lula. Esse capital foi, em grande medida, desbaratado, mas não a ponto que o projeto tenha sido completamente desbaratado. Primeiro, porque houve mudança em áreas significativas, que deram um sinal à sociedade brasileira de que algo poderia estar mudando. E também porque a direita no Brasil não tem credibilidade para atender às aspirações do povo.

FOLHA - O presidente hoje diz que é de "centro". Isso é uma decepção?
BOAVENTURA
- O presidente Lula tem uma coisa refrescante. Ele representa, no Brasil, um papel que, de alguma maneira, [Bill] Clinton [ex-presidente dos EUA] representou nos Estados Unidos. Clinton não pertencia aos grandes clãs que têm o poder nos Estados Unidos. E, naturalmente, todas as suas fraquezas foram exploradas da pior maneira. Mas é evidente que muito do comportamento de Clinton, até no domínio sexual, não teria sido explorado se ele fosse um insider. Tal e qual, alguns comportamentos e maneiras de falar do Lula, ou a bebida, ou o que quer que fosse, não seriam explorados se ele fosse um insider.

domingo, janeiro 21, 2007

Ai de nossos ouvidos



(*)Henrique Toscano Henriques

Por aqui já estamos saturados.A temporada do verão começou e estamos, pelo menos no nordeste, vivendo um onda de ditadura do som imposta pela nossa geração temporariamente praieira.
Todos de férias, curtindo o verão, a azaração,as noitadas e nós, que também queremos curtir o verão tal qual, eles temos que nos vergar à sua força impositiva carreada por magníficos monumentos da agressão auditiva: os sistemas de som automotivos.
Fica aquela macharada toda ao redor, admirando as cornetas e os fones, escutando a tal da lapada na rachada e delirando a cada vez que o cantor enfatiza o taca o pau riquelme.Para aqueles que ainda se acham leigos no assunto, o tal Riquelme não é o centro-avante do escrete argentino, e sim o baterista de uma afamada banda de forró de plástico.
Todos nós somos obrigados a escutar esta porcaria generalizada.Respeito os gostos, mas como diz um dístico bem acertado, toda unanimidade é burra.Quando todos estão a ouvir a mesma coisa todo tempo e toda hora é sinal que algo de bom não há.Viver a diversidade e o pluralismo dos hábitos e a coisa mais fascinante no ser humano, que por si só apresenta-se diferente no aspecto físico, porque não cultivar isso no aspecto cultural?
Este beco em que todos disputam um espaço já abriga milhares. A disseminação de culturas de massa tal qual o funk carioca,o forró eletrônico,o axé baiano e o calipso tem sido de tal maneira violenta que chegamos a pensar que as forças criativas da nossa música se calaram em sinal de desesperança.O pior de minhas constatações é que, por si só, o ritmo não é culpado.No forró podemos admirar o mestre Dominguinhos, ainda em atividade, quanto ao funk, podemos ver que ainda resta na voz de Paula Lima, com um grande apelo jazzístico e de soul music.No axé temos Daniela Mercury, nossa embaixatriz da Unicef.Nos ritmos nortistas ainda nos resta Pinduca e a tradição dos bois.O que realmente pesa é a grande quantidade de grupos que apenas repetem as músicas,os trejeitos, as falas e em muitas vezes a similitude de nomes.
Falta poesia, apuramento musical e muitas vezes, talento.Qualquer um se candidata a conduzir um grupo musical sem ao menos saber o que é música, e contribuem cada vez mais para construir uma geração sem referenciais musicais, sem lembranças auditivas que nos façam rememorar instantes inesquecíveis.
E o que falar dos momentos que irão rememorar? Qual o prazer de se lembrar de momentos em que estávamos apenas conduzidos por uma onda, e que não agíamos de acordo com nossas convicções? Reféns da cultura imposta nos encontramos cada vez mais encurralados em nossos próprios sentimentos. O que há de se fazer, se quero escutar Carolina de Chico tenho que agüentar a chacota de meus amigos julgando-me velho e desprezando minha página musical?Que seja, o importante é não ser massa de manobra nas mãos de quem não sabe o que é realmente escutam.
Em que instante poderemos relembrar antigas paqueras ao som de músicas que sequer insinuam um duplo sentido e que já vão direto ao assunto não deixando mais nada por conta da imaginação.Como diria Ruy Castro, “Todas as vezes que o Tom abriu o piano,o mundo melhorou”.Começo a acreditar no inverso, que cada vez que um idiota abre a mala de seu carro e liga o som o mundo só piora.
Vai entender esta minha geração. Ai de meus ouvidos.


terça-feira, janeiro 16, 2007

Crônicas de uma sociedade [pré-] totalitária

(*) Luiz Elias Miranda

No último domingo assisti – uma vez mais – o filme do Stanley Kubrick baseado no romance de Anthony Burgess “laranja mecânica” (A clockwork orange; England: 1971), um filme forte, que reflete sobre os caminhos que podem a moral tomar em sua práxis social.

Um dia depois de assistir ao filme (ou seja, na segunda) comecei a refletir mais uma vez sobre o filme, desta vez, a reflexão foi feita em paralelo com outra história sombria escrita por um britânico, 1984 de George Orwell (nascido Eric Arthur Blair).

A história narrada em “1984” é por demais sombria, Orwell imagina um futuro dominado por um ditador implacável, para ele 1984 será uma época de um mundo moldado por este ditador, o livre pensamento não mais existe – ignorância é força, este é um dos lemas do partido que domina a terra – todas as pessoas são vigiadas pela ‘teletela’: “o grande irmão observa você”. Numa sociedade totalitária, onde é preconizado o laconismo, a mídia oficial divulga notícias de uma permanente guerra contra os opositores. Transcrevo aqui um dos trechos de “1984” que mais me causa calafrios:

"[...] O Partido procura o poder por amor ao poder. Não estamos interessados no bem –estar alheio; só estamos interessados no poder. Nem na riqueza, nem no luxo, nem em longa vida de prazeres: apenas no poder, poder puro. (...) Somos diferentes de todas as oligarquias do passado, porque sabemos o que estamos fazendo. Todas as outras, até mesmo as que se assemelhavam conosco, eram covardes e hipócritas. Os nazistas alemães e os comunistas russos muito se aproximaram de nós nos métodos, mas nunca tiveram a coragem de reconhecer os próprios motivos. Fingiam, talvez até acreditassem, ter tomado o poder sem querer, e por tempo limitado, e que bastava dobrar a esquina para entrar num paraíso onde os seres humanos seriam iguais e livres. Nós não somos assim. Sabemos que ninguém jamais toma o poder com a intenção de largá-lo. O poder não é um meio, é um fim em si. Não se estabelece uma ditadura com o fito de salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para estabelecer a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder." (1984)

A história narrada por Burgess é igualmente assombrosa, é uma cínica crítica social, escrito na década de 1960, quando a criminalidade juvenil avança tanto na sociedade capitalista como na repressora sociedade “comunista” do bloco soviético-marxista e crescia a aceitação de técnicas de behaviorismo[1] e condicionamento em clínicas, consultórios e prisões. A história é a narrativa de saga de Alex e como este jovem anarco-punk foi transformado em um cidadão exemplar, mas, a que custo? Usando a velha máxima de que os fins justificariam os meios, o Estado, tratando a criminalidade como uma doença – e não como um fenômeno que, em geral, manifesta-se devido a uma conjunção de fatores – usando técnicas de condicionamento mental advindas de técnicas behavioristas retira do ser humano aquilo que lhe é mais caro e mais o diferencia dos outros animais: o livre-arbítrio.

Peço perdão pela introdução um pouco longa, mas é que pretendo falar de um tema complexo e que por demais me preocupa e que não pode ser falado em apenas 10, 20 ou 30 linhas: a aproximação da sociedade, por livre iniciativa, de idéias autoritárias que leva a maior das sociedades – o Estado – a enveredar pelo totalitarismo.

Comummente sou criticado por amigos ao afirmar que nosso país aproxima-se gradativamente de um novo ciclo autoritário, a seguir apresentarei as razões que me levam a tirar esta conclusão.

Os regimes autoritários surgem por terem suas idéias – todo movimento que almeja o poder possui, em tese, uma base ideológica – aceitação em algum setor da sociedade civil que possam dar sustentáculo prático às suas teses antidemocráticas. Temos como exemplo claro disto a ‘revolução’ de 1964 aqui no Brasil (onde a classe média e a elite se martirizavam com a possibilidade de o Brasil tornar-se um país alinhado com a política socialista da União Soviética), o triunfo nacional-socialista em 1933 (onde a sociedade alemã, arrasada que ficou após a I guerra mundial via, nas promessas insanas de Hitler, uma possibilidade de uma existência que pudesse assegurar um mínimo de dignidade ao tão sofrido povo alemão), entre outros exemplos que poderiam aqui ser citados aos milhares.

Outra questão importante é que num regime autoritário o exercício de um dos poderes estatal – tripartidos em seu exercício já que o poder seria uno e indivisível como nos sugere Montesquieu – sofre uma anormal hipertrofia em relação aos outros dois, usurpando-lhes assim, atribuições e competências. No Brasil pós-redemocratização (anos que seguiram ao advento da constituição de 1988) vivemos em uma era das ‘medidas provisórias’ onde o chefe do executivo, usurpando as competências dos outros poderes, legisla em substituição indevida do poder legislativo e não cumpre as decisões prolatadas pelo judiciário, em suma, em menos de vinte anos, nunca vivemos um período de tantas situações de relevância e urgência (pressuposto para edição de medidas provisórias), sobre esta hipertrofia ainda retomarei o assunto antes do final do texto.

Outro ponto preocupante é a popularidade de idéias autoritárias entre os diversos setores sociais, uma tendência da sociedade civil na aceitação de teses que, apesar de antidemocráticas possam garantir certo bem-estar a seus interesses. No caso brasileiro é um clamor social por lei e ordem que costumo a chamar usualmente de ‘datenismo’ (neologismo que faz referência ao repórter José Luiz Datena que ficou famoso apresentando programas policiais em diversas emissoras brasileiras de televisão), em suma, esta postura propõe uma posição mais rígida do legislador visto a necessidade de leis mais rígidas para punir exemplarmente os criminosos, vistos pelos adeptos desta postura como animais, seres asquerosos que não podem ter acesso ao sistema garantista – consagrado como direito fundamental desde a revolução francesa – é o que muitas pessoas chamam de “direitos humanos para humanos direitos”. Só consigo ver isso como a prevalência entre a sociedade das teses do direito penal do inimigo (Günther Jakobs) ao invés do sistema funcionalista moderado que defende a importância da certeza da punição ao invés do rigor da mesma (Claus Roxin).

Por último, cito o motivo que mais me preocupa (que, em si, é apenas um desenvolvimento do que falei no primeiro motivo), que é a existência do Estado de exceção permanente (fazendo aqui uso das palavras do Giorgio Agamben), o surgimento de um sujeito que, invocando motivos quaisquer (moral, religião, segurança...) retira no ordenamento jurídico sua validade e eficácia. Este tal sujeito pode isto fazer pelo fato de não submeter-se a este mesmo ordenamento, posicionando-se externamente à ordem jurídica e, usando suas justificativas, fazendo uso do que Peter Sloterdijk chama de ‘razão cínica[2]’, esmaga a segurança jurídica, ou qualquer outro princípio que possa opor-se a seu final objetivo maior: o poder total.

"Em tempos de embustes universais, dizer a verdade se torna um ato revolucionário."

George Orwell



[1] Behaviorismo é um termo genérico para agrupar diversas e contraditórias correntes de pensamento na Psicologia que tem como unidade conceitual o comportamento, mesmo que com diferentes concepções sobre o que seja o comportamento. John Broadus Watson (1878-1958) foi considerado o pai do behaviorismo metodológico , ao publicar, em 1913, o artigo "Psicologia vista por um Behaviorista", que declarava a psicologia como um ramo puramente objetivo e experimental das ciências naturais, e que tinha como finalidade prever e controlar o comportamento de todo e qualquer indivíduo. Watson era um defensor da importância do meio na construção e desenvolvimento do indivíduo. Os seus estudos basearam-se no condicionamento clássico, conceito desenvolvido pelo fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936), que ganhou o Prémio Nobel de Medicina pelo seu trabalho sobre a atividade digestiva dos cães. Pavlov descobriu que os cães não salivavam apenas ao ver comida, mas também quando associavam algum som ou gesto à "chegada de comida" - ver a clássica experiência do cachorro de Pavlov. A este fenômeno de associação ele denominou de condicionamento clássico. A partir das descobertas de Pavlov, houve um fortalecimento da investigação empírica da relação entre o organismo e o meio.

O behaviorismo metodológico e o Behaviorismo metafísico tem as suas raízes nos trabalhos pioneiros de Watson e Pavlov. O behaviorismo radical foi desenvolvido não como um campo de pesquisa experimental, mas sim uma proposta de filosofia sobre o comportamento humano que utiliza como referência outros filósofos da ciência do século XX, contextualizado por todas das crises de paradigmas vivenciadas pelo pensamento científico até hoje, seu principal autor foi o psicólogo americano Burruhs Skinner (1953), que além de ser representante mais importante do behaviorismo radical desenvolveu os princípios do condicionamento operante e a sistematização do modelo de seleção por consequências para explicar o comportamento. O condicionamento operante explica que quando após um comportamento ou atitude é seguida a apresentação de um reforço, aquela resposta (ação) tem maior probabilidade de se repetir com a mesma função.

[2] Razão cínica: uso de ideologias para mascarar verdadeiras intenções de um sujeito ou de um regime inteiro. Mais dados sobre esta teoria difundida por Sloterdjik, cf. SLOTERDJIK, Peter. Crítica de la razón cínica.


(*) Luiz Elias é estudante de direito