Ai de nossos ouvidos
(*)Henrique Toscano Henriques
Por aqui já estamos saturados.A temporada do verão começou e estamos, pelo menos no nordeste, vivendo um onda de ditadura do som imposta pela nossa geração temporariamente praieira.
Todos de férias, curtindo o verão, a azaração,as noitadas e nós, que também queremos curtir o verão tal qual, eles temos que nos vergar à sua força impositiva carreada por magníficos monumentos da agressão auditiva: os sistemas de som automotivos.
Fica aquela macharada toda ao redor, admirando as cornetas e os fones, escutando a tal da lapada na rachada e delirando a cada vez que o cantor enfatiza o taca o pau riquelme.Para aqueles que ainda se acham leigos no assunto, o tal Riquelme não é o centro-avante do escrete argentino, e sim o baterista de uma afamada banda de forró de plástico.
Todos nós somos obrigados a escutar esta porcaria generalizada.Respeito os gostos, mas como diz um dístico bem acertado, toda unanimidade é burra.Quando todos estão a ouvir a mesma coisa todo tempo e toda hora é sinal que algo de bom não há.Viver a diversidade e o pluralismo dos hábitos e a coisa mais fascinante no ser humano, que por si só apresenta-se diferente no aspecto físico, porque não cultivar isso no aspecto cultural?
Este beco em que todos disputam um espaço já abriga milhares. A disseminação de culturas de massa tal qual o funk carioca,o forró eletrônico,o axé baiano e o calipso tem sido de tal maneira violenta que chegamos a pensar que as forças criativas da nossa música se calaram em sinal de desesperança.O pior de minhas constatações é que, por si só, o ritmo não é culpado.No forró podemos admirar o mestre Dominguinhos, ainda em atividade, quanto ao funk, podemos ver que ainda resta na voz de Paula Lima, com um grande apelo jazzístico e de soul music.No axé temos Daniela Mercury, nossa embaixatriz da Unicef.Nos ritmos nortistas ainda nos resta Pinduca e a tradição dos bois.O que realmente pesa é a grande quantidade de grupos que apenas repetem as músicas,os trejeitos, as falas e em muitas vezes a similitude de nomes.
Falta poesia, apuramento musical e muitas vezes, talento.Qualquer um se candidata a conduzir um grupo musical sem ao menos saber o que é música, e contribuem cada vez mais para construir uma geração sem referenciais musicais, sem lembranças auditivas que nos façam rememorar instantes inesquecíveis.
E o que falar dos momentos que irão rememorar? Qual o prazer de se lembrar de momentos em que estávamos apenas conduzidos por uma onda, e que não agíamos de acordo com nossas convicções? Reféns da cultura imposta nos encontramos cada vez mais encurralados em nossos próprios sentimentos. O que há de se fazer, se quero escutar Carolina de Chico tenho que agüentar a chacota de meus amigos julgando-me velho e desprezando minha página musical?Que seja, o importante é não ser massa de manobra nas mãos de quem não sabe o que é realmente escutam.
Em que instante poderemos relembrar antigas paqueras ao som de músicas que sequer insinuam um duplo sentido e que já vão direto ao assunto não deixando mais nada por conta da imaginação.Como diria Ruy Castro, “Todas as vezes que o Tom abriu o piano,o mundo melhorou”.Começo a acreditar no inverso, que cada vez que um idiota abre a mala de seu carro e liga o som o mundo só piora.
Vai entender esta minha geração. Ai de meus ouvidos.
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