:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

sábado, dezembro 30, 2006

Vejamos todos os fatos, não os isolados - O processo de tomada do Iraque e os telespectadores patéticos de uma morte anunciada[1]



(*)Henrique Toscano Henriques

Contra tudo e todos, me solidarizo a Saddam Hussein, ex-ditador iraquiano executado neste sábado. Sei que minha postura parece um tanto desumana, pois anuir com todos os desmandos patrocinados pela violência institucional do governo Iraquiano é a mesma coisa que dizer que me sinto pesaroso com a morte de Saddam.
O que muitos não sabem é que, nos Estados Unidos, a passagem de ano será extraordinária e que , segundo as palavras do próprio Bush, se fez “Justiça”.
Solidarizo-me principalmente ao povo Iraquiano, que desde 2003 sofre com a ilegítima ofensiva americana em seu território, massacrando paulatinamente seu povo e fazendo com que a expectativa de um novo Vietnã se concretize a cada dia. Milhões de americanos foram fervorosos combatentes desta guerra insana, mas hoje se sentem regozijados com a morte de Saddam.
A cobertura da TV americana sobre os fatos chega a ser patética. Mesas redondas com felizes comentaristas, forjando ma certa preocupação com o fato, mas sem pudor nenhum em esconder sorrisinho maroto aqui e ali, enchem a grade de programação das emissoras. Legendas do tipo “A morte de Saddam representará um alívio para Wall Street?” e mais a frente “Se inicia um novo tempo para o povo Iraquiano” são repetidamente exibidas. E com esse sensacionalismo, la nave va.
A condenação de Saddam por um tribunal que mais parecia um teatro de resultados previsíveis, como uma peça em que o mocinho sempre triunfará, mostra o quanto somos patéticos. Cremos que a supremacia americana é indelével, e concordamos até com sua deletéria razia no campo da justiça. Enganamos-nos piamente.
A total desconstrução de conceitos políticos e éticos capitaneada pela Casa Branca mostra-nos a fragilidade de organismos internacionais e até de outros fortes governos mundiais no que tange ao respeito às leis internacionais (vide o artigo anterior de Luiz Elias) e ao devido processo legal.
Um tribunal de exceção, uma verdadeiro jogo de cena. Um dos correspondentes da CNN em Bagdá relatou que uma das cenas mais emocionantes do julgamento de Saddam foi exatamente no momento em que o juiz lia a sentença e um dos guardas que fazia a segurança ao lado de Saddam mastigava um chiclete e ria discretamente da cara do ditador.
Não fosse a prepotência do ditador, Bush estaria no posto maior da arrogância autoritária mundial.Vivemos assim acreditando e comprando a imagem que os EUA nos vendem, como sendo uma sociedade política sem corrupção, com organismos eficientes e com uma estrutura estatal apta para atender as necessidades do povo.Talvez seja isso, mas para o mundo o EUA representam bem mais que um ameaça que se utiliza do poder capitalista para determinar o jeito de se julgar,de fazer política e de comandar a economia global.Assistimos a tudo isso como " triste e vegetativa multidão de servos submissos e vassalos genuflexos que o globalizador arrogante e sem escrúpulos esmagou com o braço de ferro do poder neoliberal"[2]
O julgamento de Saddam pelo massacre de Dujail[3] e mais os crimes de genocídio e de guerra cometidos na Guerra do Golfo e na Guerra Irã-Iraque, mostra-nos que há alguém impune.
Concordemos, pois, que o julgamento foi justo, como disse Bush, e que realmente tenha sido um alívio para o povo Iraquiano, como afirma a imprensa e que, também, tenha sido uma data especial, como afirmou Mouwafak al-Rubai, conselheiro da Segurança Nacional do Iraque.Mesmo assim, quando olhamos para trás e vemos o processo de tomada do Iraque e as atrocidades de Abu Ghraib aliadas as constantes e impiedosas investidas americanas em solo iraquiano, provocando insurreições como na cidade de Fallujah, onde soldados americanos foram queimados vivos e expostos ao público, certamente concordaremos com a premissa de que os fins não justificam os meios.
O verdadeiro foco está no processo de ascensão de George W. Bush ao governo americano, de maneira fraudulenta, como denuncia Michael Moore no livro Stupid White Men, reside também nas figuras de Colin Powell e Donald Rumsfeld, importantes figuras de estado que deram fôlego a empreitada americana, desconsiderando o posicionamento de vários chefes de governo e de Estado mundiais, contrariando a Igreja e o relatório do chefe dos inspetores da ONU ,Hans Blix, atestando a não existência de armas de destruição em massa no Iraque.Afundam, também, nesse processo, o conselho de segurança da ONU e Kofi Annan, todos de papelão.
A postura de Bush é conhecida, e lembra a figura do invencível rei do cangaço, presente na poesia de Leandro Gomes de Barros,que diz na última estrofe "Que só eu posso ser duro/Eu já conheço o passado, /Nele ficarei seguro, /Penso depois no presente /Previno logo o futuro.".Este futuro é o petróleo, que não durará mais de cem anos nas reservas americanas (desculpem-me pela a obviedade das informações).
A execução de Saddam nos mostra que entre todos os vilões, resta um maior e que se disfarça de bom moço. Não é uma pessoa, ou órgão, é um sistema ideológico que reverte conceitos e filtra informações ao seu bel prazer.É um sistema que até então não colidia de frente de maneira tão abrupta quanto o fez agora.Um sistema que vangloria os direitos humanos e os desrespeita friamente.Um sistema que criou o projeto International Indigenous Peoples Protection Act of 1991 para tentar interferir na proteção indígena em outros países, tentando também legitimar a invasão da Amazônia.O xerife do mundo, a gigante mão de ferro do poder.Pobre do Saddam, Pobres de nós.
Agora é só esperar mais um show de cobertura na morte de Fidel. Que 2007 seja melhor.

(*)Henrique Toscano Henriques é estudante de Direito da UEPB Guarabira

[1] Saddam, desde 2003, assumiu o personagem de Gabriel Garcia Márquez, Santiago Nassar, que em Crônica de uma morte anunciada, acordou com cara de morto.
[2] BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial (A Derrubada da Constituição e a
Recolonização pelo Golpe de Estado Institucional). São Paulo: Malheiros Editores,2004.

[3] Massacre ocorrido no povoado de Dujail em 1982 que vitimou 148 xiitas