:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Lei internacional pra quê?

(*) Luiz Elias Miranda


Nos últimos dias, uma das notícias que mais atenção da mídia atraiu foi aquela que dava conta da confirmação da condenação do ex-ditador iraquiano Saddan Hussein à pena de morte por enforcamento, pena esta que segundo fontes do alto escalão do governo dos EUA – grande responsável por esta condenação – será executada antes do fim de 2006.

Não estou aqui para glorificar um ex-ditador como o fez certo almirante da marinha de nosso país em carta aberta quando da morte do Augusto Pinochet, não nego aqui que ele pudesse ter alguma virtude, gosto de pensar como minha mãe, ela sempre me ensinou que as pessoas por nós depreciadas não são totalmente más, têm virtudes, por mais que não as enxerguemos e, da mesma forma, as pessoas por nós queridas não totalmente boas e têm seus pontos negativos por mais que não os percebamos ou não queiramos enxergar.

Como disse, não quero louvar Hussein, nem demonstrar pesa pela sua morte, estou indiferente quanto a isso. Venho aqui para registrar meu protesto por esse julgamento que desrespeita aquilo que conhecemos como direito, em especial o direito internacional público, esta pena, brevemente a ser executada, constitui uma verdadeira excrescência as instituições jurídicas da sociedade ocidental como conhecemos.

Antes de tudo, Saddan Hussein foi derrubado em 2003 por meio de uma intervenção militar ilegítima, por mais brutal que fosse o regime ditatorial em curso no Iraque, nenhum país teria o direito de, unilateralmente, perpetrar alguma ingerência na situação política desde país, um dos mais importantes fundamentos do direito internacional público chama-se o princípio da não-intervenção, cada Estado deve seguir seu curso existencial sem sofrer nenhuma ingerência em seus assuntos internos. Ao arrepio deste princípio, os EUA, unilateralmente, em desrespeito ao veto que sua proposta recebeu no conselho de segurança da ONU, com o uso da chamada “razão cínica”, em nome de ideais superiores como a liberdade e da justiça (escondendo seus reais interesses), promoveu aquela chamada “guerra cirúrgica” (que está mais para uma amputação do que uma intervenção centrada) para derrubar o a ditadura no Iraque, sendo que, esta guerra foi – e ainda é – tão ilegítima quanto o regime do ex-ditador.

Em segundo lugar, as forças de ocupação pensavam que seria uma ‘guerrinha rápida’, realmente, os EUA não aprendem com os erros do passado, mesmo passados 30 anos do fracasso vietnamita, eles não tiraram uma lição proveitosa daquilo que, a meu ver, é umas das coisas que a maior parte dos estadunidenses se envergonham, a tentativa de formar um governo de coalizão não funcionou, de certa forma, alguns teóricos da política afirma que certos povos ainda não estão preparados para a democracia, é o caso do Iraque, este governo não é fruto de uma vontade popular como deve ser todo o governo, não houve o exercício do chamado poder constituinte[1], a constituição do Iraque é tão artificial quanto o arranjo de flores que tenho na sala de minha casa, não é uma criação da sociedade, é fruto de um ‘corpo legislativo fantoche’, subserviente às vontades do invasor.

Em terceiro lugar, neste conflito todas as normas internacionais referentes aos conflitos armados foram rasgados, Carl Schmitt (1888-1985) teorizou em sua grande obra ‘Der Nomos der Erde’ (o nomos/a lei da terra) que a ‘guerra telúrica’ seria a única forma de conflito a ser limitada pelo direito, essas afirmações caíram por terra com a idéia imposta pelos EUA que eles enfrentam ‘inimigos’ da democracia, da liberdade, em sim, o eixo do mal (guerra criminalizante, usando as palavras do filósofo português Alexandre Franco de Sá em seu belíssimo ensaio ‘Sobre A Terra E Sobre O Mar: Algumas Reflexões Acerca Da Guerra Criminalizante’).

Deixo aqui uma última reprovação a tudo que ocorre no Iraque desde 2003, o julgamento de Saddan Hussein foi aquilo que podemos chamar de uma verdadeira “palhaçada”, um teatro de horrores onde todos os valores consolidados desde a revolução francesa foram por água abaixo. A supracitada revolução consagrou valores na sociedade ocidental presentes até hoje na maior parte das constituições democráticas de nosso tempo, vários direitos fundamentais, que são núcleos basilares de nossa sociedade foram desrespeitados, a Saddan Hussein foram negados os direitos da liberdade religiosa (os julgamentos não eram interrompidos para a práticas das 5 orações diárias, obrigações de todo muçulmano segundo o Corão), o direito da livre expressão de opiniões (Saddan foi censurado e impedido de falar no curso do julgamento), o princípio do juiz natural (durante o processo, houve mudança do juiz que conduzia a instrução processual), o próprio due process of law[2] não foi observado durante o julgamento e, por fim, para consagrar a intolerância e totalitarismo daqueles que se autodenominam os pioneiros da liberdade, a lei internacional é bem clara quando afirma que nenhum tribunal especial pode ser criado (cortes ‘ad hoc’) para julgar determinadas pessoas ou determinados crimes, é para isso que foi criado o Tribunal Penal Internacional. É uma grande lástima que o direito internacional não possa se impor, é a de certa forma estranho chamar uma norma que não consegue impor-se de direito já que, uma das principais características do direito é o seu caráter coercitivo. Acredito que seja hora de pensarmos naquilo que anos atrás Schmitt chamou de “o grande espaço” (Groβbaum) ou a formação de um chamado “constitucionalismo internacional” como propõe Luigi Ferrajoli para a possibilidade de tornar impositiva e obrigatória a validade das leis internacionais.



[1] Poder constituinte é aquele poder que emana da vontade popular e cria uma constituição para certa sociedade (comunidade política) literalmente criando (ou recriando) o Estado e todas demais instituição jurídico-políticas de certo país.

[2] Due process of law:garantia consagrada que não pode ser limitada nem mitigada para que qualquer ato judicial possa ser tido como legítimo, na compreensão do devido processo encontram-se o exercício pleno do contraditório, o processo deve ser uma prática dual, da mesma forma que a acusação deve ser exercida, a defesa têm o direito de poder contestar, impugnar todas as teses propostas pelos acusadores, o processo assim, deve ser um ato antitético.


(*) Luiz Elias é estudante de direito