:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

quarta-feira, abril 04, 2007

Homens em tempos sombrios

(*)Luiz Elias Miranda

Somos pessoas que vivem em tempos sombrios, apesar dessa frase para alguns estar até mesmo envolta de certo misticismo, presenciamos um momento único da história da humanidade, momento este que torço ser superado em breve, um dia espero contar a meus filhos os tempos sombrios que vivemos nesta época.

A meu ver, nunca na história da humanidade as liberdades mais fundamentais do ser humano estiveram tão ameaçadas, em outros tempos, muito sangue foi derramado em nome de preceitos fundamentais, certo é que estes ideais foram deturpados[1], transformados em novas formas de dominação, mas, a idéia originalmente era boa.

Mas, voltando ao tema principal, em outros tempos – iluminados ouso dizer – o sangue era derramado por idéias mais nobres, em nome da liberdade, da igualdade de todos, pelo fim dos privilégios, pela fraternidade dos povos. Hoje, tudo se inverteu, o sangue é derramado por motivos mesquinhos, o fim da guerra fria não marcou como o início de uma era de paz, foi só o início do agravamento de nossa era sombria, hoje o sangue é derramado por todos os ideais, menos aqueles fundantes do paradigma da sociedade ocidental pós-revolução francesa.

As idéias pelas quais se lutam hoje são as mais diversas possíveis, por serem metas execráveis, não podem ser confessadas as lutam para a manutenção de privilégios, negação da igualdade e destruição da fraternidade, excrescências são cometidas por estes ideais.

Escrevo este texto como um manifesto – ou até mesmo um desabafo – pelo que li no relatório da anistia internacional sobre a situação dos presos de Guantánamo, prisioneiros sem acusação, condenados previamente sem direito à defesa – como se pode ter defesa sem acusação formal? – com os direitos mais básicos negados, com sua dignidade de prisioneiros ignorada, torturados, mortos, tudo isso em nome da justiça e da liberdade, como pode ser uma coisa dessas? E tudo isso protagonizado pelo país que se intitula de maior defensor da liberdade, maior democracia do mundo...

Não posso aceitar esse cinismo em silêncio, não posso ser passivo à esta prevalência da razão cínica que cada dia torna-se mais e mais poderosa, cada dia escraviza mais pessoas e ilude outras tantas com seus chavões ideológicos.

Não posso ficar calado...

Realmente, somos homens em tempos sombrios.



[1] Sobre o fracasso dos ideais da ilustração, cf. ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento.

(*) Luiz Elias Miranda é acadêmico de Direito da UEPB Guarabira

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Entrevista com Boaventura de Sousa Santos sobre o Fórum Social Mundial

Êxito do fórum não produziu mudanças globais, diz sociólogo

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NAIRÓBI

Vítima de seu êxito, o Fórum Social Mundial vive um dilema entre a irrelevância e a tomada de posição. A opinião é de um entusiasta do evento, o catedrático de sociologia da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Boaventura Sousa Santos, 65. Leia a seguir trechos da entrevista que o sociólogo concedeu em Nairóbi. (ANA FLOR)


FOLHA - Qual é o futuro do Fórum?
BOAVENTURA SOUSA SANTOS
- O Fórum é vítima do seu êxito. É uma grande novidade política. Alguns tendem a pensar que ele se diluiu num "talk-shop": fala-se muito e nada acontece. Para estes, o Fórum deveria estar vinculado a uma forma política mais organizada. Entre os fundadores, os brasileiros, é dominante a posição de que as novas formas organizativas serão no espírito do Fórum, onde não há uma posição que exclua outras.

FOLHA - E qual a sua posição?
BOAVENTURA
- A minha posição é intermédia. O Fórum teve muito êxito, e não apenas de juntar pessoas. Foi de colocar na agenda internacional temas como a pobreza, o perdão da dívida, o tema ecológico. Por outro lado, muito da eficácia do Fórum não foi em âmbito global, foi no âmbito de país. Saiu do Fórum a política externa do Lula, e não se pode compreender os governos de esquerda da América Latina hoje sem essa energia da sociedade civil.

FOLHA - O presidente Lula não estará no Fórum Social Mundial, mas vai a Davos. O que o sr. acha disso?
BOAVENTURA
- É mais um desgosto que o presidente Lula nos dá. Não é o primeiro, não será o último. Era preferível que ele não fosse a nenhum.

FOLHA - Há pouco tempo, o sr. disse que o segundo mandato de Lula terá que ser diferente. Como?
BOAVENTURA
- No primeiro mandato, houve um capital enorme de aspirações populares canalizadas para Lula. Esse capital foi, em grande medida, desbaratado, mas não a ponto que o projeto tenha sido completamente desbaratado. Primeiro, porque houve mudança em áreas significativas, que deram um sinal à sociedade brasileira de que algo poderia estar mudando. E também porque a direita no Brasil não tem credibilidade para atender às aspirações do povo.

FOLHA - O presidente hoje diz que é de "centro". Isso é uma decepção?
BOAVENTURA
- O presidente Lula tem uma coisa refrescante. Ele representa, no Brasil, um papel que, de alguma maneira, [Bill] Clinton [ex-presidente dos EUA] representou nos Estados Unidos. Clinton não pertencia aos grandes clãs que têm o poder nos Estados Unidos. E, naturalmente, todas as suas fraquezas foram exploradas da pior maneira. Mas é evidente que muito do comportamento de Clinton, até no domínio sexual, não teria sido explorado se ele fosse um insider. Tal e qual, alguns comportamentos e maneiras de falar do Lula, ou a bebida, ou o que quer que fosse, não seriam explorados se ele fosse um insider.

domingo, janeiro 21, 2007

Ai de nossos ouvidos



(*)Henrique Toscano Henriques

Por aqui já estamos saturados.A temporada do verão começou e estamos, pelo menos no nordeste, vivendo um onda de ditadura do som imposta pela nossa geração temporariamente praieira.
Todos de férias, curtindo o verão, a azaração,as noitadas e nós, que também queremos curtir o verão tal qual, eles temos que nos vergar à sua força impositiva carreada por magníficos monumentos da agressão auditiva: os sistemas de som automotivos.
Fica aquela macharada toda ao redor, admirando as cornetas e os fones, escutando a tal da lapada na rachada e delirando a cada vez que o cantor enfatiza o taca o pau riquelme.Para aqueles que ainda se acham leigos no assunto, o tal Riquelme não é o centro-avante do escrete argentino, e sim o baterista de uma afamada banda de forró de plástico.
Todos nós somos obrigados a escutar esta porcaria generalizada.Respeito os gostos, mas como diz um dístico bem acertado, toda unanimidade é burra.Quando todos estão a ouvir a mesma coisa todo tempo e toda hora é sinal que algo de bom não há.Viver a diversidade e o pluralismo dos hábitos e a coisa mais fascinante no ser humano, que por si só apresenta-se diferente no aspecto físico, porque não cultivar isso no aspecto cultural?
Este beco em que todos disputam um espaço já abriga milhares. A disseminação de culturas de massa tal qual o funk carioca,o forró eletrônico,o axé baiano e o calipso tem sido de tal maneira violenta que chegamos a pensar que as forças criativas da nossa música se calaram em sinal de desesperança.O pior de minhas constatações é que, por si só, o ritmo não é culpado.No forró podemos admirar o mestre Dominguinhos, ainda em atividade, quanto ao funk, podemos ver que ainda resta na voz de Paula Lima, com um grande apelo jazzístico e de soul music.No axé temos Daniela Mercury, nossa embaixatriz da Unicef.Nos ritmos nortistas ainda nos resta Pinduca e a tradição dos bois.O que realmente pesa é a grande quantidade de grupos que apenas repetem as músicas,os trejeitos, as falas e em muitas vezes a similitude de nomes.
Falta poesia, apuramento musical e muitas vezes, talento.Qualquer um se candidata a conduzir um grupo musical sem ao menos saber o que é música, e contribuem cada vez mais para construir uma geração sem referenciais musicais, sem lembranças auditivas que nos façam rememorar instantes inesquecíveis.
E o que falar dos momentos que irão rememorar? Qual o prazer de se lembrar de momentos em que estávamos apenas conduzidos por uma onda, e que não agíamos de acordo com nossas convicções? Reféns da cultura imposta nos encontramos cada vez mais encurralados em nossos próprios sentimentos. O que há de se fazer, se quero escutar Carolina de Chico tenho que agüentar a chacota de meus amigos julgando-me velho e desprezando minha página musical?Que seja, o importante é não ser massa de manobra nas mãos de quem não sabe o que é realmente escutam.
Em que instante poderemos relembrar antigas paqueras ao som de músicas que sequer insinuam um duplo sentido e que já vão direto ao assunto não deixando mais nada por conta da imaginação.Como diria Ruy Castro, “Todas as vezes que o Tom abriu o piano,o mundo melhorou”.Começo a acreditar no inverso, que cada vez que um idiota abre a mala de seu carro e liga o som o mundo só piora.
Vai entender esta minha geração. Ai de meus ouvidos.


terça-feira, janeiro 16, 2007

Crônicas de uma sociedade [pré-] totalitária

(*) Luiz Elias Miranda

No último domingo assisti – uma vez mais – o filme do Stanley Kubrick baseado no romance de Anthony Burgess “laranja mecânica” (A clockwork orange; England: 1971), um filme forte, que reflete sobre os caminhos que podem a moral tomar em sua práxis social.

Um dia depois de assistir ao filme (ou seja, na segunda) comecei a refletir mais uma vez sobre o filme, desta vez, a reflexão foi feita em paralelo com outra história sombria escrita por um britânico, 1984 de George Orwell (nascido Eric Arthur Blair).

A história narrada em “1984” é por demais sombria, Orwell imagina um futuro dominado por um ditador implacável, para ele 1984 será uma época de um mundo moldado por este ditador, o livre pensamento não mais existe – ignorância é força, este é um dos lemas do partido que domina a terra – todas as pessoas são vigiadas pela ‘teletela’: “o grande irmão observa você”. Numa sociedade totalitária, onde é preconizado o laconismo, a mídia oficial divulga notícias de uma permanente guerra contra os opositores. Transcrevo aqui um dos trechos de “1984” que mais me causa calafrios:

"[...] O Partido procura o poder por amor ao poder. Não estamos interessados no bem –estar alheio; só estamos interessados no poder. Nem na riqueza, nem no luxo, nem em longa vida de prazeres: apenas no poder, poder puro. (...) Somos diferentes de todas as oligarquias do passado, porque sabemos o que estamos fazendo. Todas as outras, até mesmo as que se assemelhavam conosco, eram covardes e hipócritas. Os nazistas alemães e os comunistas russos muito se aproximaram de nós nos métodos, mas nunca tiveram a coragem de reconhecer os próprios motivos. Fingiam, talvez até acreditassem, ter tomado o poder sem querer, e por tempo limitado, e que bastava dobrar a esquina para entrar num paraíso onde os seres humanos seriam iguais e livres. Nós não somos assim. Sabemos que ninguém jamais toma o poder com a intenção de largá-lo. O poder não é um meio, é um fim em si. Não se estabelece uma ditadura com o fito de salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para estabelecer a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder." (1984)

A história narrada por Burgess é igualmente assombrosa, é uma cínica crítica social, escrito na década de 1960, quando a criminalidade juvenil avança tanto na sociedade capitalista como na repressora sociedade “comunista” do bloco soviético-marxista e crescia a aceitação de técnicas de behaviorismo[1] e condicionamento em clínicas, consultórios e prisões. A história é a narrativa de saga de Alex e como este jovem anarco-punk foi transformado em um cidadão exemplar, mas, a que custo? Usando a velha máxima de que os fins justificariam os meios, o Estado, tratando a criminalidade como uma doença – e não como um fenômeno que, em geral, manifesta-se devido a uma conjunção de fatores – usando técnicas de condicionamento mental advindas de técnicas behavioristas retira do ser humano aquilo que lhe é mais caro e mais o diferencia dos outros animais: o livre-arbítrio.

Peço perdão pela introdução um pouco longa, mas é que pretendo falar de um tema complexo e que por demais me preocupa e que não pode ser falado em apenas 10, 20 ou 30 linhas: a aproximação da sociedade, por livre iniciativa, de idéias autoritárias que leva a maior das sociedades – o Estado – a enveredar pelo totalitarismo.

Comummente sou criticado por amigos ao afirmar que nosso país aproxima-se gradativamente de um novo ciclo autoritário, a seguir apresentarei as razões que me levam a tirar esta conclusão.

Os regimes autoritários surgem por terem suas idéias – todo movimento que almeja o poder possui, em tese, uma base ideológica – aceitação em algum setor da sociedade civil que possam dar sustentáculo prático às suas teses antidemocráticas. Temos como exemplo claro disto a ‘revolução’ de 1964 aqui no Brasil (onde a classe média e a elite se martirizavam com a possibilidade de o Brasil tornar-se um país alinhado com a política socialista da União Soviética), o triunfo nacional-socialista em 1933 (onde a sociedade alemã, arrasada que ficou após a I guerra mundial via, nas promessas insanas de Hitler, uma possibilidade de uma existência que pudesse assegurar um mínimo de dignidade ao tão sofrido povo alemão), entre outros exemplos que poderiam aqui ser citados aos milhares.

Outra questão importante é que num regime autoritário o exercício de um dos poderes estatal – tripartidos em seu exercício já que o poder seria uno e indivisível como nos sugere Montesquieu – sofre uma anormal hipertrofia em relação aos outros dois, usurpando-lhes assim, atribuições e competências. No Brasil pós-redemocratização (anos que seguiram ao advento da constituição de 1988) vivemos em uma era das ‘medidas provisórias’ onde o chefe do executivo, usurpando as competências dos outros poderes, legisla em substituição indevida do poder legislativo e não cumpre as decisões prolatadas pelo judiciário, em suma, em menos de vinte anos, nunca vivemos um período de tantas situações de relevância e urgência (pressuposto para edição de medidas provisórias), sobre esta hipertrofia ainda retomarei o assunto antes do final do texto.

Outro ponto preocupante é a popularidade de idéias autoritárias entre os diversos setores sociais, uma tendência da sociedade civil na aceitação de teses que, apesar de antidemocráticas possam garantir certo bem-estar a seus interesses. No caso brasileiro é um clamor social por lei e ordem que costumo a chamar usualmente de ‘datenismo’ (neologismo que faz referência ao repórter José Luiz Datena que ficou famoso apresentando programas policiais em diversas emissoras brasileiras de televisão), em suma, esta postura propõe uma posição mais rígida do legislador visto a necessidade de leis mais rígidas para punir exemplarmente os criminosos, vistos pelos adeptos desta postura como animais, seres asquerosos que não podem ter acesso ao sistema garantista – consagrado como direito fundamental desde a revolução francesa – é o que muitas pessoas chamam de “direitos humanos para humanos direitos”. Só consigo ver isso como a prevalência entre a sociedade das teses do direito penal do inimigo (Günther Jakobs) ao invés do sistema funcionalista moderado que defende a importância da certeza da punição ao invés do rigor da mesma (Claus Roxin).

Por último, cito o motivo que mais me preocupa (que, em si, é apenas um desenvolvimento do que falei no primeiro motivo), que é a existência do Estado de exceção permanente (fazendo aqui uso das palavras do Giorgio Agamben), o surgimento de um sujeito que, invocando motivos quaisquer (moral, religião, segurança...) retira no ordenamento jurídico sua validade e eficácia. Este tal sujeito pode isto fazer pelo fato de não submeter-se a este mesmo ordenamento, posicionando-se externamente à ordem jurídica e, usando suas justificativas, fazendo uso do que Peter Sloterdijk chama de ‘razão cínica[2]’, esmaga a segurança jurídica, ou qualquer outro princípio que possa opor-se a seu final objetivo maior: o poder total.

"Em tempos de embustes universais, dizer a verdade se torna um ato revolucionário."

George Orwell



[1] Behaviorismo é um termo genérico para agrupar diversas e contraditórias correntes de pensamento na Psicologia que tem como unidade conceitual o comportamento, mesmo que com diferentes concepções sobre o que seja o comportamento. John Broadus Watson (1878-1958) foi considerado o pai do behaviorismo metodológico , ao publicar, em 1913, o artigo "Psicologia vista por um Behaviorista", que declarava a psicologia como um ramo puramente objetivo e experimental das ciências naturais, e que tinha como finalidade prever e controlar o comportamento de todo e qualquer indivíduo. Watson era um defensor da importância do meio na construção e desenvolvimento do indivíduo. Os seus estudos basearam-se no condicionamento clássico, conceito desenvolvido pelo fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936), que ganhou o Prémio Nobel de Medicina pelo seu trabalho sobre a atividade digestiva dos cães. Pavlov descobriu que os cães não salivavam apenas ao ver comida, mas também quando associavam algum som ou gesto à "chegada de comida" - ver a clássica experiência do cachorro de Pavlov. A este fenômeno de associação ele denominou de condicionamento clássico. A partir das descobertas de Pavlov, houve um fortalecimento da investigação empírica da relação entre o organismo e o meio.

O behaviorismo metodológico e o Behaviorismo metafísico tem as suas raízes nos trabalhos pioneiros de Watson e Pavlov. O behaviorismo radical foi desenvolvido não como um campo de pesquisa experimental, mas sim uma proposta de filosofia sobre o comportamento humano que utiliza como referência outros filósofos da ciência do século XX, contextualizado por todas das crises de paradigmas vivenciadas pelo pensamento científico até hoje, seu principal autor foi o psicólogo americano Burruhs Skinner (1953), que além de ser representante mais importante do behaviorismo radical desenvolveu os princípios do condicionamento operante e a sistematização do modelo de seleção por consequências para explicar o comportamento. O condicionamento operante explica que quando após um comportamento ou atitude é seguida a apresentação de um reforço, aquela resposta (ação) tem maior probabilidade de se repetir com a mesma função.

[2] Razão cínica: uso de ideologias para mascarar verdadeiras intenções de um sujeito ou de um regime inteiro. Mais dados sobre esta teoria difundida por Sloterdjik, cf. SLOTERDJIK, Peter. Crítica de la razón cínica.


(*) Luiz Elias é estudante de direito

sábado, dezembro 30, 2006

Vejamos todos os fatos, não os isolados - O processo de tomada do Iraque e os telespectadores patéticos de uma morte anunciada[1]



(*)Henrique Toscano Henriques

Contra tudo e todos, me solidarizo a Saddam Hussein, ex-ditador iraquiano executado neste sábado. Sei que minha postura parece um tanto desumana, pois anuir com todos os desmandos patrocinados pela violência institucional do governo Iraquiano é a mesma coisa que dizer que me sinto pesaroso com a morte de Saddam.
O que muitos não sabem é que, nos Estados Unidos, a passagem de ano será extraordinária e que , segundo as palavras do próprio Bush, se fez “Justiça”.
Solidarizo-me principalmente ao povo Iraquiano, que desde 2003 sofre com a ilegítima ofensiva americana em seu território, massacrando paulatinamente seu povo e fazendo com que a expectativa de um novo Vietnã se concretize a cada dia. Milhões de americanos foram fervorosos combatentes desta guerra insana, mas hoje se sentem regozijados com a morte de Saddam.
A cobertura da TV americana sobre os fatos chega a ser patética. Mesas redondas com felizes comentaristas, forjando ma certa preocupação com o fato, mas sem pudor nenhum em esconder sorrisinho maroto aqui e ali, enchem a grade de programação das emissoras. Legendas do tipo “A morte de Saddam representará um alívio para Wall Street?” e mais a frente “Se inicia um novo tempo para o povo Iraquiano” são repetidamente exibidas. E com esse sensacionalismo, la nave va.
A condenação de Saddam por um tribunal que mais parecia um teatro de resultados previsíveis, como uma peça em que o mocinho sempre triunfará, mostra o quanto somos patéticos. Cremos que a supremacia americana é indelével, e concordamos até com sua deletéria razia no campo da justiça. Enganamos-nos piamente.
A total desconstrução de conceitos políticos e éticos capitaneada pela Casa Branca mostra-nos a fragilidade de organismos internacionais e até de outros fortes governos mundiais no que tange ao respeito às leis internacionais (vide o artigo anterior de Luiz Elias) e ao devido processo legal.
Um tribunal de exceção, uma verdadeiro jogo de cena. Um dos correspondentes da CNN em Bagdá relatou que uma das cenas mais emocionantes do julgamento de Saddam foi exatamente no momento em que o juiz lia a sentença e um dos guardas que fazia a segurança ao lado de Saddam mastigava um chiclete e ria discretamente da cara do ditador.
Não fosse a prepotência do ditador, Bush estaria no posto maior da arrogância autoritária mundial.Vivemos assim acreditando e comprando a imagem que os EUA nos vendem, como sendo uma sociedade política sem corrupção, com organismos eficientes e com uma estrutura estatal apta para atender as necessidades do povo.Talvez seja isso, mas para o mundo o EUA representam bem mais que um ameaça que se utiliza do poder capitalista para determinar o jeito de se julgar,de fazer política e de comandar a economia global.Assistimos a tudo isso como " triste e vegetativa multidão de servos submissos e vassalos genuflexos que o globalizador arrogante e sem escrúpulos esmagou com o braço de ferro do poder neoliberal"[2]
O julgamento de Saddam pelo massacre de Dujail[3] e mais os crimes de genocídio e de guerra cometidos na Guerra do Golfo e na Guerra Irã-Iraque, mostra-nos que há alguém impune.
Concordemos, pois, que o julgamento foi justo, como disse Bush, e que realmente tenha sido um alívio para o povo Iraquiano, como afirma a imprensa e que, também, tenha sido uma data especial, como afirmou Mouwafak al-Rubai, conselheiro da Segurança Nacional do Iraque.Mesmo assim, quando olhamos para trás e vemos o processo de tomada do Iraque e as atrocidades de Abu Ghraib aliadas as constantes e impiedosas investidas americanas em solo iraquiano, provocando insurreições como na cidade de Fallujah, onde soldados americanos foram queimados vivos e expostos ao público, certamente concordaremos com a premissa de que os fins não justificam os meios.
O verdadeiro foco está no processo de ascensão de George W. Bush ao governo americano, de maneira fraudulenta, como denuncia Michael Moore no livro Stupid White Men, reside também nas figuras de Colin Powell e Donald Rumsfeld, importantes figuras de estado que deram fôlego a empreitada americana, desconsiderando o posicionamento de vários chefes de governo e de Estado mundiais, contrariando a Igreja e o relatório do chefe dos inspetores da ONU ,Hans Blix, atestando a não existência de armas de destruição em massa no Iraque.Afundam, também, nesse processo, o conselho de segurança da ONU e Kofi Annan, todos de papelão.
A postura de Bush é conhecida, e lembra a figura do invencível rei do cangaço, presente na poesia de Leandro Gomes de Barros,que diz na última estrofe "Que só eu posso ser duro/Eu já conheço o passado, /Nele ficarei seguro, /Penso depois no presente /Previno logo o futuro.".Este futuro é o petróleo, que não durará mais de cem anos nas reservas americanas (desculpem-me pela a obviedade das informações).
A execução de Saddam nos mostra que entre todos os vilões, resta um maior e que se disfarça de bom moço. Não é uma pessoa, ou órgão, é um sistema ideológico que reverte conceitos e filtra informações ao seu bel prazer.É um sistema que até então não colidia de frente de maneira tão abrupta quanto o fez agora.Um sistema que vangloria os direitos humanos e os desrespeita friamente.Um sistema que criou o projeto International Indigenous Peoples Protection Act of 1991 para tentar interferir na proteção indígena em outros países, tentando também legitimar a invasão da Amazônia.O xerife do mundo, a gigante mão de ferro do poder.Pobre do Saddam, Pobres de nós.
Agora é só esperar mais um show de cobertura na morte de Fidel. Que 2007 seja melhor.

(*)Henrique Toscano Henriques é estudante de Direito da UEPB Guarabira

[1] Saddam, desde 2003, assumiu o personagem de Gabriel Garcia Márquez, Santiago Nassar, que em Crônica de uma morte anunciada, acordou com cara de morto.
[2] BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial (A Derrubada da Constituição e a
Recolonização pelo Golpe de Estado Institucional). São Paulo: Malheiros Editores,2004.

[3] Massacre ocorrido no povoado de Dujail em 1982 que vitimou 148 xiitas

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Lei internacional pra quê?

(*) Luiz Elias Miranda


Nos últimos dias, uma das notícias que mais atenção da mídia atraiu foi aquela que dava conta da confirmação da condenação do ex-ditador iraquiano Saddan Hussein à pena de morte por enforcamento, pena esta que segundo fontes do alto escalão do governo dos EUA – grande responsável por esta condenação – será executada antes do fim de 2006.

Não estou aqui para glorificar um ex-ditador como o fez certo almirante da marinha de nosso país em carta aberta quando da morte do Augusto Pinochet, não nego aqui que ele pudesse ter alguma virtude, gosto de pensar como minha mãe, ela sempre me ensinou que as pessoas por nós depreciadas não são totalmente más, têm virtudes, por mais que não as enxerguemos e, da mesma forma, as pessoas por nós queridas não totalmente boas e têm seus pontos negativos por mais que não os percebamos ou não queiramos enxergar.

Como disse, não quero louvar Hussein, nem demonstrar pesa pela sua morte, estou indiferente quanto a isso. Venho aqui para registrar meu protesto por esse julgamento que desrespeita aquilo que conhecemos como direito, em especial o direito internacional público, esta pena, brevemente a ser executada, constitui uma verdadeira excrescência as instituições jurídicas da sociedade ocidental como conhecemos.

Antes de tudo, Saddan Hussein foi derrubado em 2003 por meio de uma intervenção militar ilegítima, por mais brutal que fosse o regime ditatorial em curso no Iraque, nenhum país teria o direito de, unilateralmente, perpetrar alguma ingerência na situação política desde país, um dos mais importantes fundamentos do direito internacional público chama-se o princípio da não-intervenção, cada Estado deve seguir seu curso existencial sem sofrer nenhuma ingerência em seus assuntos internos. Ao arrepio deste princípio, os EUA, unilateralmente, em desrespeito ao veto que sua proposta recebeu no conselho de segurança da ONU, com o uso da chamada “razão cínica”, em nome de ideais superiores como a liberdade e da justiça (escondendo seus reais interesses), promoveu aquela chamada “guerra cirúrgica” (que está mais para uma amputação do que uma intervenção centrada) para derrubar o a ditadura no Iraque, sendo que, esta guerra foi – e ainda é – tão ilegítima quanto o regime do ex-ditador.

Em segundo lugar, as forças de ocupação pensavam que seria uma ‘guerrinha rápida’, realmente, os EUA não aprendem com os erros do passado, mesmo passados 30 anos do fracasso vietnamita, eles não tiraram uma lição proveitosa daquilo que, a meu ver, é umas das coisas que a maior parte dos estadunidenses se envergonham, a tentativa de formar um governo de coalizão não funcionou, de certa forma, alguns teóricos da política afirma que certos povos ainda não estão preparados para a democracia, é o caso do Iraque, este governo não é fruto de uma vontade popular como deve ser todo o governo, não houve o exercício do chamado poder constituinte[1], a constituição do Iraque é tão artificial quanto o arranjo de flores que tenho na sala de minha casa, não é uma criação da sociedade, é fruto de um ‘corpo legislativo fantoche’, subserviente às vontades do invasor.

Em terceiro lugar, neste conflito todas as normas internacionais referentes aos conflitos armados foram rasgados, Carl Schmitt (1888-1985) teorizou em sua grande obra ‘Der Nomos der Erde’ (o nomos/a lei da terra) que a ‘guerra telúrica’ seria a única forma de conflito a ser limitada pelo direito, essas afirmações caíram por terra com a idéia imposta pelos EUA que eles enfrentam ‘inimigos’ da democracia, da liberdade, em sim, o eixo do mal (guerra criminalizante, usando as palavras do filósofo português Alexandre Franco de Sá em seu belíssimo ensaio ‘Sobre A Terra E Sobre O Mar: Algumas Reflexões Acerca Da Guerra Criminalizante’).

Deixo aqui uma última reprovação a tudo que ocorre no Iraque desde 2003, o julgamento de Saddan Hussein foi aquilo que podemos chamar de uma verdadeira “palhaçada”, um teatro de horrores onde todos os valores consolidados desde a revolução francesa foram por água abaixo. A supracitada revolução consagrou valores na sociedade ocidental presentes até hoje na maior parte das constituições democráticas de nosso tempo, vários direitos fundamentais, que são núcleos basilares de nossa sociedade foram desrespeitados, a Saddan Hussein foram negados os direitos da liberdade religiosa (os julgamentos não eram interrompidos para a práticas das 5 orações diárias, obrigações de todo muçulmano segundo o Corão), o direito da livre expressão de opiniões (Saddan foi censurado e impedido de falar no curso do julgamento), o princípio do juiz natural (durante o processo, houve mudança do juiz que conduzia a instrução processual), o próprio due process of law[2] não foi observado durante o julgamento e, por fim, para consagrar a intolerância e totalitarismo daqueles que se autodenominam os pioneiros da liberdade, a lei internacional é bem clara quando afirma que nenhum tribunal especial pode ser criado (cortes ‘ad hoc’) para julgar determinadas pessoas ou determinados crimes, é para isso que foi criado o Tribunal Penal Internacional. É uma grande lástima que o direito internacional não possa se impor, é a de certa forma estranho chamar uma norma que não consegue impor-se de direito já que, uma das principais características do direito é o seu caráter coercitivo. Acredito que seja hora de pensarmos naquilo que anos atrás Schmitt chamou de “o grande espaço” (Groβbaum) ou a formação de um chamado “constitucionalismo internacional” como propõe Luigi Ferrajoli para a possibilidade de tornar impositiva e obrigatória a validade das leis internacionais.



[1] Poder constituinte é aquele poder que emana da vontade popular e cria uma constituição para certa sociedade (comunidade política) literalmente criando (ou recriando) o Estado e todas demais instituição jurídico-políticas de certo país.

[2] Due process of law:garantia consagrada que não pode ser limitada nem mitigada para que qualquer ato judicial possa ser tido como legítimo, na compreensão do devido processo encontram-se o exercício pleno do contraditório, o processo deve ser uma prática dual, da mesma forma que a acusação deve ser exercida, a defesa têm o direito de poder contestar, impugnar todas as teses propostas pelos acusadores, o processo assim, deve ser um ato antitético.


(*) Luiz Elias é estudante de direito

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Entrevista com José Saramago

ÉPOCA - A morte tornou-se tabu nos dias de hoje?
Saramago -
Sim. Hoje as pessoas querem evitar o assunto e esconder as mortes que acontecem a sua volta. É como se o mundo fosse um hotel onde os mortos costumam desaparecer na calada da noite, sem que nenhum ä hóspede possa notar sua presença. Embora os filmes e a televisão abordem a morte, não tocam no ponto fundamental da finitude. As mortes são falsas, os mocinhos levam tiros e voltam a viver. É outra forma de tratar a morte como irreal. No passado, ela era vista com maior drama. Talvez as pessoas exagerassem, mas sabiam conviver com a tragédia.

ÉPOCA - O senhor faz no livro uma descrição apocalíptica do planeta, com seus recursos naturais esgotados. O mundo está condenado à destruição?
Saramago -
O planeta está sofrendo um saque de seus recursos materiais. Como não temos outra despensa do que a própria Terra, essa exploração tende a esgotar nossas reservas naturais. O homem se encarrega de destruir a si próprio. E veja o caso da Amazônia, com uma seca assombrosa e a devastação das árvores. Essa floresta é essencial para a saúde da humanidade, é o pulmão do mundo, e já perdeu 17% de todo o seu território. Daqui a pouco, caso o governo não tome medidas efetivas, a Amazônia deixará simplesmente de existir. E esse é um assunto do Brasil, de ninguém mais. O Brasil tem uma responsabilidade mundial nesse caso.

ÉPOCA - Por falar em Brasil, o senhor apoiou o governo Lula no início. Qual a sua opinião hoje?
Saramago -
Prefiro não falar nisso, vamos esperar para ver no que dá. Mas é brutal. O desgaste que o governo Lula sofreu é muito forte. Depois de tantas esperanças, não imaginávamos que escândalos de corrupção tomassem o governo Lula, que representava uma luz nova para um mundo cada vez mais mergulhado em interesses mesquinhos. Ele não poderia ter admitido a corrupção, e não consegue mais combatê-la. Vamos aguardar as investigações.

ÉPOCA - O senhor acha que Lula ajudou a projetar o Brasil?
Saramago -
No começo, sim. Mas, na situação atual, Lula está amarrado: sua liberdade de ação é limitada. Ora, esse fato é muito sério para o Brasil, que tem um regime presidencialista. Lula está de pés e mãos atados e parece que não vai mais conseguir fazer as grandes medidas que prometeu no plano social. Foi uma decepção para o mundo.

ÉPOCA - Na nova ordem mundial, e não apenas no Brasil, a esquerda está vivendo uma crise ética. O senhor ainda crê nela?
Saramago -
A esquerda atravessa um deserto e não consegue chegar a um oásis. Ela tem se fragmentado por toda parte. Em países como a Argentina, os partidos de esquerda perderam toda a representatividade no Congresso. Em Portugal, apóio a candidatura de Mário Soares (do Partido Socialista Português). Pode ser que não seja um milagre, um novo Sebastião, mas pode fazer alguma coisa pelo país, a reboque dos interesses do capital econômico.

ÉPOCA - O senhor continua a professar o comunismo?
Saramago -
Claro! Acredito que a única maneira de resolver os problemas da humanidade está na distribuição de renda e na igualdade entre as pessoas. Curiosamente, hoje você pode dizer que seu vizinho é comunista ou eu posso afirmar que sou um comunista. Mas ninguém se declara capitalista. Capitalistas são eles lá, os chefes das grandes corporações, os donos do dinheiro.

ÉPOCA - O senhor acha que o mundo hoje se reduz a um império mundial liderado pelos Estados Unidos?
Saramago -
Agora vivemos o império do petróleo e do dinheiro - o resto é disfarce. Até mesmo George W. Bush está submetido aos desígnios do Grande Capital. Ele governa para as grandes corporações. O capitalismo neoliberal não passa do governo dos grandes conglomerados econômicos.

ÉPOCA - As guerras assimétricas atuais, empreendidas pelos Estados Unidos, revelam um choque de civilizações entre Ocidente e Oriente?
Saramago
- Depende. A Arábia Saudita, aliada dos EUA e maior produtora de petróleo, possui um regime fundamentalista. Foi o petróleo que moveu a invasão do Iraque. Existe, sim, um conflito religioso entre o cristianismo e o Islã, que só seria resolvido com um acordo comum entre os dois blocos. Afinal, se Deus existe, ele é só um. Para que brigar?

ÉPOCA - Bento XVI teria algum papel nesse pacto?
Saramago -
Não acho que ele terá qualquer atuação no sentido conciliatório. Mesmo João Paulo II não estava preparado para isso, nem interessado.

ÉPOCA - Por que no romance Ensaio sobre a Lucidez o senhor critica o regime democrático?
Saramago -
Porque o fato é um só: a democracia funciona apenas no plano institucional, na organização e derrubada de governos pelo voto. Na prática, quem manda são organismos como a Organização Mundial do Comércio e o FMI, que não são eleitos democraticamente, são instituições imperiais. Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto.

ÉPOCA - Pelo jeito, o senhor continua sendo pessimista.
Saramago -
Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo. Como podemos ser otimistas diante de um planeta onde as pessoas vivem tão mal, a natureza está sendo destruída e o império dominante é o do dinheiro?

Entrevista concedida ao periódico "Época", disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1061569-1666-2,00.html