:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Entrevista com José Saramago

ÉPOCA - A morte tornou-se tabu nos dias de hoje?
Saramago -
Sim. Hoje as pessoas querem evitar o assunto e esconder as mortes que acontecem a sua volta. É como se o mundo fosse um hotel onde os mortos costumam desaparecer na calada da noite, sem que nenhum ä hóspede possa notar sua presença. Embora os filmes e a televisão abordem a morte, não tocam no ponto fundamental da finitude. As mortes são falsas, os mocinhos levam tiros e voltam a viver. É outra forma de tratar a morte como irreal. No passado, ela era vista com maior drama. Talvez as pessoas exagerassem, mas sabiam conviver com a tragédia.

ÉPOCA - O senhor faz no livro uma descrição apocalíptica do planeta, com seus recursos naturais esgotados. O mundo está condenado à destruição?
Saramago -
O planeta está sofrendo um saque de seus recursos materiais. Como não temos outra despensa do que a própria Terra, essa exploração tende a esgotar nossas reservas naturais. O homem se encarrega de destruir a si próprio. E veja o caso da Amazônia, com uma seca assombrosa e a devastação das árvores. Essa floresta é essencial para a saúde da humanidade, é o pulmão do mundo, e já perdeu 17% de todo o seu território. Daqui a pouco, caso o governo não tome medidas efetivas, a Amazônia deixará simplesmente de existir. E esse é um assunto do Brasil, de ninguém mais. O Brasil tem uma responsabilidade mundial nesse caso.

ÉPOCA - Por falar em Brasil, o senhor apoiou o governo Lula no início. Qual a sua opinião hoje?
Saramago -
Prefiro não falar nisso, vamos esperar para ver no que dá. Mas é brutal. O desgaste que o governo Lula sofreu é muito forte. Depois de tantas esperanças, não imaginávamos que escândalos de corrupção tomassem o governo Lula, que representava uma luz nova para um mundo cada vez mais mergulhado em interesses mesquinhos. Ele não poderia ter admitido a corrupção, e não consegue mais combatê-la. Vamos aguardar as investigações.

ÉPOCA - O senhor acha que Lula ajudou a projetar o Brasil?
Saramago -
No começo, sim. Mas, na situação atual, Lula está amarrado: sua liberdade de ação é limitada. Ora, esse fato é muito sério para o Brasil, que tem um regime presidencialista. Lula está de pés e mãos atados e parece que não vai mais conseguir fazer as grandes medidas que prometeu no plano social. Foi uma decepção para o mundo.

ÉPOCA - Na nova ordem mundial, e não apenas no Brasil, a esquerda está vivendo uma crise ética. O senhor ainda crê nela?
Saramago -
A esquerda atravessa um deserto e não consegue chegar a um oásis. Ela tem se fragmentado por toda parte. Em países como a Argentina, os partidos de esquerda perderam toda a representatividade no Congresso. Em Portugal, apóio a candidatura de Mário Soares (do Partido Socialista Português). Pode ser que não seja um milagre, um novo Sebastião, mas pode fazer alguma coisa pelo país, a reboque dos interesses do capital econômico.

ÉPOCA - O senhor continua a professar o comunismo?
Saramago -
Claro! Acredito que a única maneira de resolver os problemas da humanidade está na distribuição de renda e na igualdade entre as pessoas. Curiosamente, hoje você pode dizer que seu vizinho é comunista ou eu posso afirmar que sou um comunista. Mas ninguém se declara capitalista. Capitalistas são eles lá, os chefes das grandes corporações, os donos do dinheiro.

ÉPOCA - O senhor acha que o mundo hoje se reduz a um império mundial liderado pelos Estados Unidos?
Saramago -
Agora vivemos o império do petróleo e do dinheiro - o resto é disfarce. Até mesmo George W. Bush está submetido aos desígnios do Grande Capital. Ele governa para as grandes corporações. O capitalismo neoliberal não passa do governo dos grandes conglomerados econômicos.

ÉPOCA - As guerras assimétricas atuais, empreendidas pelos Estados Unidos, revelam um choque de civilizações entre Ocidente e Oriente?
Saramago
- Depende. A Arábia Saudita, aliada dos EUA e maior produtora de petróleo, possui um regime fundamentalista. Foi o petróleo que moveu a invasão do Iraque. Existe, sim, um conflito religioso entre o cristianismo e o Islã, que só seria resolvido com um acordo comum entre os dois blocos. Afinal, se Deus existe, ele é só um. Para que brigar?

ÉPOCA - Bento XVI teria algum papel nesse pacto?
Saramago -
Não acho que ele terá qualquer atuação no sentido conciliatório. Mesmo João Paulo II não estava preparado para isso, nem interessado.

ÉPOCA - Por que no romance Ensaio sobre a Lucidez o senhor critica o regime democrático?
Saramago -
Porque o fato é um só: a democracia funciona apenas no plano institucional, na organização e derrubada de governos pelo voto. Na prática, quem manda são organismos como a Organização Mundial do Comércio e o FMI, que não são eleitos democraticamente, são instituições imperiais. Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto.

ÉPOCA - Pelo jeito, o senhor continua sendo pessimista.
Saramago -
Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo. Como podemos ser otimistas diante de um planeta onde as pessoas vivem tão mal, a natureza está sendo destruída e o império dominante é o do dinheiro?

Entrevista concedida ao periódico "Época", disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1061569-1666-2,00.html