:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

sábado, agosto 12, 2006

Assembléia Constituinte é golpe!

(*) Lênio Luiz Streck



Começa perigosamente a ganhar corpo a tese da convocação de uma assembléia constituinte exclusiva. A tese é encabeçada pelo presidente da OAB nacional, que _para surpresa dos republicanos_ diz que a Constituição não serve mais. Ao mesmo tempo, busca-se “requentar” uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que autoriza o Congresso de 2006 a atuar como constituinte, podendo fazer as alterações necessárias (sic) com o quorum de metade mais um (e não de 3/5 como exige a Constituição).

As teses são golpistas. Acaso vingue qualquer delas, o Brasil será alvo de chacota internacional, uma vez que será a primeira democracia que se auto-dissolve, fazendo um haraquiri institucional. Em 17 anos, passamos por crises econômicas, uma revisão constitucional, reformas constitucionais e um impeachment. E na mais plena normalidade. Como agora. E tudo isto acontece _com transmissão ao vivo_ exatamente porque existe democracia. E acontece porque a democracia brasileira funciona. E funciona exatamente porque está sustentada em regras democráticas, previstas na Constituição.

Estranhamente, no entremeio de uma crise, que não é institucional e, sim, política, alguns brasileiros querem fazer crer que a culpa da corrupção é da Constituição. É como se democracia fizesse mal a um país. Como se fosse culpa da Constituição o afloramento da corrupção em terra brasilis. Antes, pairava a honestidade; veio a Constituição e incentivou os brasileiros a se corromperem!

Deve ter sido a Constituição que facilitou a corrupção de parlamentares e o caixa dois, coisas, aliás, que nunca tinham ocorrido no país! Mutatis mutandis, é como se o Código Penal fosse o culpado pelos furtos, e assim por diante. Assim, a solução é: alteremos a Constituição e (re)instalaremos a virtude!

Ora, é preciso entender que só se pode convocar uma Constituinte na hipótese de uma ruptura institucional, que deve ser grave, com as instituições inviabilizadas, povo na rua, economia em crise, etc. Não se dissolve um regime democrático porque ser quer fazer outro (como seria esse “outro”?). A Constituição é coisa séria, fruto de uma repactuação (“we the people...”). E nela colocamos cláusulas pétreas e forma especial de elaborar emendas. Portanto, alto lá! Não se pode fazer política e vender falsas ilusões em cima daquilo que é a substância das democracias contemporâneas: o constitucionalismo.

Lendo a proposta do presidente da OAB, fico a pensar: realmente, este é um país fantástico. Desde 1.988, foram escritos _tratando da defesa da Constituição e de sua aplicação_ não menos de 2.200 livros, 1800 dissertações de mestrado e 400 teses de doutorado. Fizemos mais de 6.000 Congressos. Todos falando da Constituição.

Gastamos milhões de dólares (e euros) com bolsas de estudo, mandando estudantes brasileiros para fazer pós-graduação no exterior, para estudar a Constituição. Temos 850 faculdades de direito (não menos de 4.000 professores ensinando direito constitucional). Gastamos seguramente mais de 100 milhões de reais em bolsas de estudos _para estudar a Constituição_ nos mais de 50 programas de pós-graduação em direito no Brasil. Tudo isto, para quê? Para que o presidente da OAB e alguns parlamentares venham a defender, agora, uma tese que, além de antidemocrática, é inconstitucional.

Tão inconstitucional que o porteiro do Supremo Tribunal a barraria. E mais não precisa ser dito. Por isto, os republicanos brasileiros estão convocados para a defesa da Constituição. Se acabarmos com a Constituição _tão festejada como cidadã_ não poderemos mais falar em direito constitucional. E, no resto do mundo, quando alguém perguntar a respeito, teremos que ficar calados. Disfarçar. E passaremos a escrever livros e teses sobre as velhas Ordenações Filipinas ou sobre os decretos leis do regime militar. É o que nos restará a fazer, além de estocar comida.


(*) Lênio Streck é pós-doutor em direito e professor da UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). www.leniostreck.com.br