:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

segunda-feira, junho 12, 2006

Mídia coronelista e severina



(*)Jakson Ferreira de Alencar
A grande imprensa brasileira critica com muita propriedade e eloqüência tanto o coronelismo do Nordeste como o ex-deputado Severino Cavalcanti. Entretanto, a mesma imprensa se esquece de fazer autocrítica e de ver que ela própria é fortemente coronelista e severina, não na mesma amplitude de cidades nordestinas do interior, mas, o que é pior, em amplitude nacional. O primeiro sinal disso é que o grosso da imprensa nacional, que domina a informação no país, pertence a nove famílias, uma versão ampliada das famílias dos coronéis nordestinos.
Essa mídia é coronelista enquanto usa o poder para influenciar e manipular os destinos políticos e econômicos do país, para perpetuar o status quo, quando escolhe candidatos e faz tudo o que pode para que a população os eleja, um procedimento semelhante ao dos coronéis. E é severina ao fazer isso incorporando características que ela própria aponta no Severino Cavalcanti, ou seja de forma retrógrada, pouco ou nada esclarecida e reflexiva, não republicana e antidemocrática, ultrapassada, que, em vez de favorecer o desenvolvimento do país o atravanca.

Tratamento desigual

Não se faz injustiça ao apontar isso na mídia brasileira, também não é exagero; as provas estão nas manchetes e textos que todos os dias ela nos apresenta. Exemplos de coronelismo e severinismo midiáticos não faltam e alguns se tornaram clássicos. Por exemplo, o ocultamento da campanha pelas eleições diretas na Globo, a eleição de Fernando Collor, em grande parte creditada à Globo, mas na qual toda a grande imprensa embarcou, procurando promover Collor, sem que o tal candidato tivesse a consistência, o lastro histórico e político que ele dizia e que a imprensa difundia à exaustão.
Como diz o escritor Rubem Alves, o ser humano tem mania de transformar em verdades idiotices que são muito repetidas. E assim a maioria do país acreditou que Collor era o caçador de marajás, o salvador da pátria exatamente como foi propalado na mídia. Com isso combateu-se o temido Lula nas eleições de 1989. Foi uma batalha assumida pela mídia e o grande empresariado nacional (ocasião em que se deu um grande impulso ao esquema de caixa 2 para financiar as campanhas). Se a imprensa fosse menos severina, poderia ao menos ter escolhido um candidato mais confiável e consistente para evitar a vitória do candidato que ela e a classe econômica que a controla temiam.
Deixando esses exemplos clássicos de lado, voltemo-nos para situações mais recentes. Depois de tanto receber tratamento desigual em relação a outros candidatos por parte da imprensa e de outros setores da sociedade em sucessivas campanhas, o ex-adversário de Collor chegou à presidência. Nem todos votaram nele por convicção política. Além dos que tinham convicção, parte votou porque achava que ele merecia uma chance depois de várias tentativas; parte porque não agüentava mais os que estavam no poder, e outra parte devido ao marketing político. Mas por isso não se pode dizer que a esperança depositada nele não era forte. Lula assumiu o poder como depositário desse simbolismo e todos reconhecem que o fato de um operário chegar à presidência da República é um passo notável numa democracia.

Virulência questionável

Ele assumiu o governo procurando ser conciliador, mas nem isso nem o simbolismo que o trouxe ao poder foram o bastante para evitar a acidez da grande imprensa contra ele e seu governo. Isso dava para saltar aos olhos de qualquer leitor ou espectador atento desde o começo do governo. Por exemplo, quando a política externa do governo Lula promoveu a cúpula dos países árabes e latino-americanos, a imprensa contrária ao governo taxou-a de idiotice completa, que apenas provocaria a ira dos Estados Unidos. No entanto, depois dela as exportações para tais países multiplicou-se em larga escala. Em edição do Bom Dia Brasil, da TV Globo, a jornalista Miriam Leitão dizia que o "governo bate no peito" devido aos recordes de exportação, "mas quem exporta são os exportadores", ou seja, na concepção que ela passa, o governo de um país não tem papel nenhum em agir para melhorar as exportações, isso se deve apenas aos empresários.
Se isso fosse verdade, os déficits na balança comercial que o Brasil sofreu no governo anterior seriam por quê? Será que os empresários não estavam querendo ganhar dinheiro? A Veja diz que a política externa do governo Lula é o maior fracasso diplomático do país, no entanto os números e os fatos dizem o contrário – trata-se do melhor desempenho em exportações do país em todos os tempos, em grande parte devido à política externa do governo, isso apenas para citar alguns poucos exemplos do que se vê de acidez e manipulações contra o atual governo diariamente na mídia.
Certamente as críticas são boas para fazer qualquer governo manter a linha e trabalhar para melhorar. O que é questionável é a virulência que chega a transformar fatos positivos em negativos ou a abafar os positivos e divulgar à exaustão os negativos. Tudo isso em contraste com a grande benevolência para com o governo anterior, não só durante todo o governo, mas ainda hoje, quando se enaltece tanto e se dá tanto espaço à figura de FHC mesmo quando 70% da população o rejeitam, segundo pesquisas de opinião. Certamente uma crítica equilibrada ao governo FHC, sem a virulência que se vê nas críticas ao governo Lula, teria contribuído para um melhor desempenho de seu governo, chamado a atenção para pontos fracos, alertando em relação a posturas erradas etc.

Vista grossa

E com isso o Brasil e o próprio FHC, seu partido e seus aliados e também a própria mídia teriam ganhado muito. A capacidade reflexiva dos donos do poder político, econômico e midiático, entretanto, não foi e não é capaz de enxergar isso. Um governo como o de FHC, tão hegemônico tanto no Congresso quanto na mídia, "deita-se em berço esplêndido", esconde facilmente as mazelas, adia problemas, sente-se pouco instigado a melhorar, fica convencido de que não precisa fazer muito esforço para conquistar a população, crente de que a mídia sua aliada cuida disso. Mas em alguma hora todos esses problemas estouram, como de fato aconteceu, e com isso todos sofrem, o país, os mais pobres e até mesmo a própria mídia, até hoje muito endividada desde os tempos de FHC. Entretanto, falta sabedoria em tais donos do poder para perceber isso.
Com a crise política que estourou no meio do governo Lula, a forma desonesta com a qual a mídia o vinha tratando escancarou-se. Se antes já se transformava em negativo até o que houvesse de mais positivo, ou se retirava do governo qualquer mérito por resultados positivos, com a crise apoiada em erros do PT e em fragilidades do governo isso chegou às raias da insanidade, até o ponto em que criminosos condenados e presos, ao fazer qualquer denúncia sem provas, ganhavam imediatamente capas de revistas e primeiras páginas de jornais como portadores da mais absoluta verdade. Operou-se uma verdadeira caça às bruxas em relação ao PT e ao governo, sem contrapontos ou ponderações. Coisas muito mais problemáticas em tempos passados, como as privatizações, jamais tiveram tratamento igual, por isso muitos cientistas políticos chegaram a falar em "golpe branco" contra o governo Lula, o que é uma tese bastante plausível.
A militância do PT jamais imaginaria que o partido viesse a utilizar caixa 2 em suas campanhas, mas daí à desfaçatez e ao cinismo com que a mídia cobriu o episódio, fazendo de conta que caixa 2 não é prática corrente no atual sistema político brasileiro, há uma diferença muito grande. A única novidade era que também o PT, que se definiu sempre como defensor de uma política diferente para o país, tenha cometido os mesmos erros de outros partidos, a saber, dos partidos que são aliados da mídia e têm o beneplácito da vista grossa desta para seus erros.

Desequilíbrio democrático

A intenção não é defender o governo Lula e o PT nem muito menos desmerecer o período de FHC, mas simplesmente dizer que há uma disparidade muito grande na cobertura que a mídia faz em relação aos dois governos e que isso não é bom para o país e para a evolução de sua democracia; é algo de índole coronelista e severina, uma antidemocracia.
Essa disparidade pode ser constatada numericamente comparando-se a cobertura no episódio da compra de votos para a reeleição de FHC em contraste com o episódio do suposto "mensalão" (ainda não provado) do governo Lula. No primeiro, a grande imprensa abafou o quanto pôde, embora houvesse provas exatas; no segundo amplificou ao máximo, sem que houvesse provas que justificassem tamanha virulência. No caso de FHC a revista Veja passou 12 edições (enquanto durava o episódio) sem dar a cobertura merecida; já no episódio de Lula, ela não só alardeou como deu pelo menos umas 15 capas seguidas ao tema, em tom pesado, chegando a comparar Lula a Collor, sendo que a conjuntura política era completamente diferente à do período do presidente cassado (claramente dois pesos duas medidas). Talvez se os fatos ocorridos no tempo de FHC tivessem sido apurados, a tão sonhada e propalada reforma política já tivesse sido feita e o país não estivesse passando por essa nova crise que, entre as sucessivas crises políticas, já é algo rotineiro no país.
Igual disparidade de tratamento pela mídia acontece sistematicamente em todos os níveis de governo no país e em todas as campanhas eleitorais, em que se procura massacrar midiaticamente partidos, candidatos e governos identificados com causas de esquerda, com os movimentos sociais e que visam a uma melhor distribuição de renda no país; por outro lado, a mesma mídia enaltece os políticos mais identificados com os ideais da direita e a manutenção da ordem social vigente. Isso é totalmente semelhante, na verdade idêntico, ao coronelismo e provoca um forte desequilíbrio democrático e não contribui para o avanço do país.

Leitura crítica

O coronelismo e o severinismo político aliados aos seus pares midiáticos criam mecanismos para perpetuar a desigualdade social no país, formam uma simbiose que dificulta o aprimoramento político e a distribuição da renda nacional. Com isso, todos perdem, inclusive a própria mídia, que joga fora a possibilidade de formar novos leitores e espectadores entre os que hoje não têm condições financeiras de assinar revistas e jornais ou de comprar os produtos que a TV e o rádio anunciam, e poderiam fazê-lo se a renda do país fosse mais bem distribuída. A mídia perde também credibilidade subestimando a inteligência de seus usuários, pois o cidadão esclarecido, ao ver as manipulações grosseiras, fica com a impressão de que o acham incapaz de perceber esse jogo.
Se um dos fatores principais para o empobrecimento do Nordeste brasileiro é o coronelismo e os "políticos severinos", o coronelismo e o severinismo midiático fazem o mesmo com o país inteiro: atravancam seu desenvolvimento. Se a mídia fizesse cobertura política mais imparcial, mais objetiva, balizada e aprofundada, com certeza contribuiria muito para termos um país mais desenvolvido e mais justo. Por enquanto, com raras exceções, não está à altura disso, não tem nível mais elevado do que os dos muitos maus políticos que ocupam o Congresso Nacional e o Poder Executivo. Tem preferido atender aos interesses escusos de determinadas linhas político-ideológicas aos interesses da nação. Falta espírito público à mídia e faltam políticas públicas para os meios de comunicação no país.
E mais: à menor tentativa de criação dessas políticas, os donos do poder midiático reagem ferozmente. Portanto, o país não precisa apenas de reforma política, precisa também de uma reforma da mídia, que não pode ficar concentrada nas mãos de tão poucos, formando um pensamento único e procurando eliminar dissidentes do jogo político. Da mesma forma que os coronéis do Nordeste mandam matar seus adversários. Enquanto essas reformas não vêm, é importante que as instituições sociais, em particular as escolas, procurem formar pessoas com capacidade de leitura crítica tanto da mídia quanto da política e da relação entre ambas.
(*) texto extraído do site : www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br