:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

sexta-feira, setembro 29, 2006

Só a crítica genuína acabará com o `jornalismo fiteiro´


(*) Alberto Dines

O candidato Aloízio Mercadante confessa que está vivendo um pesadelo: Hamilton Lacerda, seu assessor, foi apontado pela Polícia Federal como um dos entregadores do dinheiro aos envolvidos com o Dossiê Vedoin e intermediário das negociações com o semanário IstoÉ. A PF também levantou o sigilo bancário e telefônico de todos os implicados no episódio (presos ou com mandado de prisão).
É a maior derrota já infligida ao jornalismo-fiteiro. Esta aberração está prestes a ser escorraçada tanto da nossa vida política como da prática jornalística. Quem a defende, paradoxalmente, são alguns observadores da imprensa. Neófitos, porém com tremendo poder de fogo.
O presidente-candidato Lula é um deles. Nos últimos 15 dias tem exibido fortes pendores para juntar-se ao clube universal dos media watchers. Convive com a mídia há, pelo menos, três décadas. Conhece o assunto, como leitor e destacado ator do processo político.
Por isso não deveria perder de vista este caso da IstoÉ e todos os seus desdobramentos. É exemplar, vitrine de um dos mais perniciosos desvios da nossa imprensa, mix de manipulação, irresponsabilidade, chantagem, corrupção, fraude, bandidagem e afins.
É evidente que todas as denúncias contidas neste dossiê devem ser investigadas, em todas as direções e até as últimas conseqüências. Mas para isso é indispensável que o caso seja mantido no noticiário. Arrefecer a cobertura significa garantir a sua sobrevida. Pergunta-se: a intensidade da cobertura do escândalo poderia prejudicar a candidatura do observador da imprensa Lula da Silva? Levemente. Paciência: quem deveria se preocupar com os efeitos perversos da sua traquinagem são os aloprados, aqueles que tornaram um pesadelo a vida do candidato Aloízio Mercadante.
Vitória da sociedade
Este derradeiro caso de "jornalismo fiteiro" é paradigmático, mas é, sobretudo, inédito porque os seus protagonistas foram quase todos flagrados. Fitas, grampos, pastas e vídeos têm sido entregues com incrível assiduidade nas redações e aproveitados fartamente desde 1998 sem que os respectivos entregadores, receptadores, produtores e financiadores jamais fossem identificados. Os caminhos e descaminhos percorridos por este gênero de informação jamais foram mapeados. Agora estão escancarados e magnificados, visíveis a olho nu. O Dossiê Vedoin, Dossiêgate ou que nome tenha foi abortado e, graças a isso, está sendo exposto e esquadrinhado sem qualquer omissão.
O jornalismo brasileiro deve à Polícia Federal uma dádiva que poderá livrá-lo de uma degeneração que se mostrava crônica. Identificou o elenco, os coadjuvantes (esta perigosa fauna que procura infiltrar-se nas redações e aproximar-se dos gatekeepers) e flagrou o processo inteiro.
O mais importante: pela primeira vez a imprensa foi obrigada a tratar da imprensa. De maneira frontal. Tornou-se impossível contornar e disfarçar as falhas de um veículo jornalístico de projeção nacional, como é o caso da IstoÉ. Ao reconhecer as suas ovelhas negras, a corporação deixa de ser corporação. Esta é uma vitória da sociedade brasileira e dos leitores brasileiros. E se este triunfo do interesse público prejudica interesses partidários, a questão escapa da esfera da observação da mídia e transfere-se para outras esferas.
Arma retórica
Se a imprensa, doravante, conseguir manter-se atenta ao comportamento da imprensa, em pouco tempo desaparecerão certos conflitos de interesses e o exercício crítico poderá ser descontaminado do partidarismo e do jogo eleitoral que o viciam e o desqualificam.
Por isto chamam a atenção certas manifestações de leitores deste Observatório, furiosos com a cobertura do Dossiêgate. Um deles, totalmente enviesado, chega a acusar a imprensa de protofascista porque pela primeira vez ela parece estar engajada no desvendamento de um episódio que tem a própria imprensa como ponto de partida. (A expressão está evidentemente errada: o prefixo "proto" designa antecedência, primazia; protofascista seria um antepassado ou precursor do fascismo).
Para o preclaro leitor a imprensa deve continuar ignorando suas mazelas e seus vexames. Insistir na cobertura do escandaloso episódio que tem a IstoÉ como pivô é, para este leitor, um ato contra o governo ou o partido do governo. Significa que o seu compromisso com a crítica é pontual, limitado. Em outras palavras, oportunista.
Quando Soninha Francine, jornalista e candidata a deputada federal pelo PT-SP, chama a imprensa de "sórdida" – justamente porque desta vez a imprensa mostra-se empenhada em acabar com o "jornalismo fiteiro" – fica-se com a impressão de que certos profissionais da mídia e certos políticos admitem conviver com esta excrescência desde que isto não prejudique seus interesses e suas opções políticas.
O exercício da crítica – em qualquer campo – exige coerência absoluta e entrega total. Tanto o presidente-candidato Lula como alguns dos seus seguidores-servidores, neófitos ou veteranos, estão utilizando a observação da mídia como mera arma retórica, munição para palanques.
Cospem nas rotativas que tanto os ajudaram no passado (para usar a felicíssima expressão do petista mineiro Paulo Delgado) e não ajudam o aprendiz de feiticeiro Aloízio Mercadante a escapar do pesadelo.
(*)Alberto Dines é jornalista e escreve para o Observatório de Imprensa