:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

quarta-feira, março 08, 2006

Penélopes,Helenas e falenas- Sobre as mulheres de Atenas e as mulheres de hoje

(*)Henrique Toscano Henriques


“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas


Porque não em seu dia falar das mulheres? Como homem, tenho pouca propriedade pela falta de experiência de convívio contínuo.Como ser, sou ainda um mero observador e admirador de suas virtudes.A música de Chico Buarque e Augusto Boal irá pontuar uma análise sentimental dessas mulheres que são paradigmas em nossa sociedade e com as quais, alguns de nós ,creio, nos topamos uma ou outra vez na vida.Agora que comemoramos o dia Internacional da mulher, em homenagem as 129 famosas tecelãs que morreram queimadas reivindicando seus direitos diante das atrocidades laborais impostas por seus patrões, vamos observar outros pontos.Hoje, passados 149 anos da data fatídica, as mulheres galgaram importantes espaços dentro da estrutura sociológica.Tanto em relação aos postos de trabalho como no tocante à família, a evolução de “algumas” mulheres servem de escopo para a reivindicação e a luta por mais benefícios.
No entanto, o imperativo afirmativo Mirem-se , contido na música, ainda têm de ser bastante observado por muitas mulheres.O ‘‘mirem-se’’ aí exposto não se refere à adequação por parte das mulheres ao modelo de esposa ateniense.Muito pelo contrário, é algo como “ se vocês seguirem, olhe só no que vai dar” como bem mesmo definiu Chico.
A mulher ateniense descrita na letra é serviçal e submissa, pronta para atender todos os desejos de seus maridos e perdoar todas as suas ausências.Vivem para procriar, razão única de sua existência, e para ficarem reclusas em casa .

Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas


São objeto do mais vil instinto machista, o do controle.As mulheres atenienses e algumas de hoje em dia se comportam de tal forma, como instrumento das vontades dos maridos, prontas para gerarem mais descendentes saudáveis do seu fértil ventre e proporcionar a lascívia de um coito quase que animal.
Vivem unicamente para dar prazer, nem que isso represente apenas perder totalmente o seu próprio instinto de ternura e carinho, mimetizadas nos anseios de seu amante habitual, o seu marido.
As Cadenas, são as cadeias em que essas mulheres vivem, aprisionadas pelos seus maridos e nem sempre com vontade própria.A expressão espanhola utilizada para conferir sonoridade à canção se encaixa perfeitamente no contexto das vidas de mulheres que tem seu lar transformado em uma masmorra, na qual mal podem ver a luz do dia ou a dinâmica das coisas, pois são escravas de um instituto chamado matrimônio.Coisa de Deus, como preferem afirmar alguns, deturpado pelo homem.


Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas


A música estabelece um contraponto interessante entre as histórias da Ilíada e da Odisséia, obras do poeta Homero.Na Odisséia, Penélope, mulher de Ulisses, esperou por seu marido durante mais de vinte anos, portando-se sempre de maneira digna e extremamente fiel à espera de seu amado.Sua beleza exuberante e sua formosura, aliadas aos bens que possuía, logo gerou a cobiça daqueles que julgavam que seu marido estivesse morto.Ela , do contrário, afirmava que só iria procurar outro pretendente no dia que terminasse de coser um mortalha, a qual fazia questão de desfaze-la à noite, ainda esperançosa de que um dia seu amado voltasse.Vestia-se sempre formosamente, com bonitas melenas e pedia à Deusa Atenas a volta de seu marido.Penelópe, paradigma de esposa fiel e dedicada, é uma típica mulher de Atenas.
Já na Ilíada, aparece, para aqui se estabelecer um contraponto, a figura de outra mulher.Helena, a divina filha de Zeus, conhecida por sua beleza quase que perturbante, é raptada por Páris, filho do rei de Tróia, Príamo.Desse episódio surge a guerra de Tróia, ou seja , a investida Grega para recuperar Helena, esposa do rei de Esparta, Menelau.Helena e sua infidelidade montam o contraponto aqui estabelecido entre essas duas mulheres e as duas obras de Homero.A prudência de Penélope resiste até a morte de seus pretendentes e sua virtude não pereceu com o tempo.Já helena, estopim da guerra entre gregos e troianos, se basta como o paradigma da desonra e da prevaricação feminina.

E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas


Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas


Na volta das guerras, os homens não mais procuravam suas esposas para os prazeres da carne.Agora eles sorviam o doce mel das falenas, as mariposinhas que brilham à noite, as cortesãs.Submissas pelo sexo e pelo mando carnal de seu temporário detentor, sucumbiam à sanha sexual dos guerreiros abstinentes.
Enquanto isso, a típica mulher de Atenas resguardava o lar e esperava com ânsia à chegada de seu marido.
As mulheres eram para os homens apenas a segurança de uma vida econômica mais estávelpor causa do dote, a garantia de um herdeiro legítimo e a manutenção de um lar, Como bem fora explicitado pelo historiador Edwar MacNall Burns, acerca do comportamento das mulheres de Atenas dos séculos V e IV a.C.
“Embora o casamento continuasse a ser uma instituição importante para a procriação dos filhos,que se tornariam os cidadãos do Estado, há razão para se crer que a vida familiar tivesse declinado. Ao menos os homens de classes mais prósperas passavam a maior parte do tempo longe de suas famílias. As esposas, relegadas à uma posição inferior, deviam permanecer reclusas em casa. O lugar de companheiras sociais e intelectuais dos maridos foi ocupado por mulheres estranhas, as famosas heteras[1], algumas das quais eram naturais das cidades jônicas e demonstravam grande cultura. Os homens casavam para assegurar legitimidade ao menos a alguns de seus filhos e para adquirir prosperidade por meio do dote. Era também necessário,naturalmente, ter alguém para tomar conta da casa”.


Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas

Voltando aos braços de seus maridos, estão prontas novamente para atender os seus desejos e se tornarem eternamente gratas pelos instantes de prazer que a este proporciona.
Entregam-se as vontades do marido, e não exigem absolutamente nada em troca.

Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem pro seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro se encolhem
Se confortam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.”

E assim encerram o ciclo, como se o começo fosse algo que trouxesse vida.Vivem e secam, completam seu destino.Vivem para procriar, secam de dor e infertilidade devido à idade, secam principalmente pela falta de amor, próprio.
Esta longa busca nos antecedentes históricos pretende somente estabelecer uma correlação entre essas mulheres e as mulheres ‘de hoje’.Quantas não são ainda como Penélope, extremamente prudentes e fiéis, devotas de seus maridos? Quantas por aí não seguem o exemplo de Helena, fazendo da cobiça alheia o fomento de sua luxúria? Quantas não são como as mulheres de Atenas, submissas e prisioneiras da falta de amor próprio?
Muitos devem conhecer ou conviver com mulheres desse tipo e nesse dia oito seria prudente que algumas olhassem não só para as conquistas da classe no âmbito coletivo, mas vissem a sua maneira de se comportar.Analisasse primeiro a sua importância dentro do contexto familiar, sua maneira de ser , se é tratada com respeito e primazia, se tem as suas opiniões aceitas e seus palpites levados em conta.É um processo introspectivo, que depende de um olhar voltado para si mesmo e para o micro-ambiente que a cerca.
Talvez hoje o mundo tenha chegado a um estágio de pleno debate sobre o papel da mulher na sociedade, mas, em primeiro lugar deveriam ater-se ao fato de que em nada se evolui coletivamente se algumas mulheres não evoluírem individualmente, ou que ainda persistam em comportassem como as mulheres de Atenas, que unicamente vivem e depois secam.



[1] mulher dissoluta, cortesã, prostituta elegante e distinta.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Adorei o texte, Henrique.
Não apenas uma transmissão da sua opinião sobre o comportamento atual das mulheres, mas principalmente pela riqueza de informação que seu texto traz.
A importancia da mulher ao longo dos tempos na construção da sociedade, o novo papel que ela assume e aos poucos vem tomando espaço e, se merecido, reconhecida como tal, faz com que nós, mulheres, continuemos na busca pelo reconhecimento nao apenas no esforço do trabalho, mas dentro da própria família onde a correria do dia a dia, muitas vezes, faz com que esse papel seja deixado de lado.
Eu tenho um exemplo em casa. minha mãe (como em uma mágica) cuida da casa, da família e ainda trabalha dois turnos por dia. Não sei se serei capaz de tal proeza...
Mas pra aquelas que vivem reclamando q ser mulher é ruim, que as coisas são sempre mais complicadas e difíceis, e que se acomodam e preferem arranjar maridos e viver única e exclusivamente para eles e para o lar, submissas em opionião e em atitude, omissas em relação ao comportamento insensato de seus companheiros, negligentes em relação a sua própria vida; para essas, só posso sentir um profundo descontentamento e dizer que a chave de tudo está na busca individual por uma identidade na sociedade de se impor com respeito, com personalidade para que essa visão de "A Mulher Moderna" seja uma realidade.
Não sei se falei bobagem, mas está ai a minha opinião. Um abraço, Rafaela Freitas

quinta mar. 09, 11:09:00 da tarde 2006  

Enviar um comentário

<< Home