De fantasmas e cadáveres
(*)Diorindo Lopes Jr.
Uma conhecida, pessoa muito afeita a tragédias e à procura de pêlos em ovos e chifres em cabeças de cavalo, volta e meia se diz muito preocupada com a minha vida solitária. Vive sugerindo promover encontros meus com conhecidas solteironas ou descasadas.
Inútil tentar demovê-la da idéia de que eu me basto o necessário ou, muitas vezes, mesmo sozinho, eu não me suporte o suficiente.
O tempo traz as rugas e as rugas trazem manias.
Em sua gana de bancar o Cupido casadoiro, minha muito preocupada conhecida não imagina como vivo cercado de companhias. Pouco convencionais, é verdade, mas companhias que prezo bastante. Meus queridos fantasmas, por exemplo. Não tem um único dia em que não venham me assombrar.
Manifestam-se através de lembranças de acontecimentos corriqueiros, palavras proferidas há anos, frases que calei e se revoltam com a condenação ao silêncio, anotações hoje incompreensíveis - quando não ilegíveis, personagens de projetos literários que guardo na memória do computador à espera de uma oportunidade melhor para vida lhes dar.
Uma vez, comentei sobre eles num churrasco em minha casa e uma psicóloga, convidada por um amigo, ao sair me deu o cartão de seu consultório.
Com os cadáveres, a relação não é diferente. Fazem-se presentes todos os dias e muitos estão vivos.Falo, é claro, dos escritores e seus livros. Lobato é figura eterna com sua gangue de personagens. E Vinícius, Drummond, Rubem Braga, Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Jorge Amado, França Júnior, Érico, Graciliano, Nelson Rodrigues, Josué Guimarães, Roberto Drummond, Carlinhos Oliveira, Clarice e Cecília, Raquel, João Antonio, e um punhado de muitos outros.
Dos cadáveres vivos e estrangeiros não vou falar, são muitos e podem me cobrar um ou outro esquecimento. De cinema e música também não.
A crônica está longa e o leitor, incomodado, pode desejar que o próximo cadáver seja o meu.
(*)Diorindo Lopes Jr. é jornalista. www.diorindo.jor.br
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