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Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

quarta-feira, março 22, 2006

O regresso do Estado?

(*) Boaventura de Souza Santos


O discurso dos neoconservadores, com forte presença na mídia, demonizou o Estado ao ponto de o transformar em fonte de todos os males da sociedade. A erosão que este discurso causou contribuiu para o aumento da corrupção com o conseqüente descrédito do Estado e da classe política.
A relação do Estado com os cidadãos é complexa porque, ao contrário do que pretende a teoria liberal, o Estado não reconhece apenas cidadãos, reconhece também os grupos e classes sociais a que eles pertencem. Como estes grupos e classes têm uma capacidade muito diferenciada de influenciar o Estado, a igualdade dos cidadãos perante o direito e o Estado é meramente formal e esconde desigualdades por vezes gritantes. É por isso que os empregados por conta de outrem pagam proporcionalmente mais impostos que os seus patrões, que o pequeno empresário é mais controlado pela fiscalização do Estado que o grande empresário, que a prática de crimes é socialmente mais diversa do que a população prisional, que as empresas têm mais acesso à justiça que os cidadãos e que os grandes negócios (privatizações, fusões, etc.) quase sempre recorrem à cumplicidade ilegal dos agentes do Estado sem que tal configure o crime de corrupção.Apesar de tudo isto, ao longo do século passado, o Estado democrático soube ganhar a confiança e a lealdade de vastas camadas da população através das medidas de redistribuição social que protagonizou e que ficaram conhecidas por políticas e direitos sociais (educação pública, serviço nacional de saúde universal e gratuito, segurança social, etc.). Foi um período histórico curto e em Portugal ainda mais curto porque o seu momento alto ocorreu tardiamente, depois da revolução de 1974. Nas últimas décadas, acumularam-se os argumentos contra a sustentabilidade deste modelo de Estado e, portanto, das políticas sociais que ele funda. Falou-se da crise financeira do Estado, das mudanças demográficas de que supostamente decorre a inevitabilidade da privatização da segurança social, da necessidade de promover a autonomia dos cidadãos, tornando-os responsáveis pelo seu bem estar presente (emprego, saúde, reinserção social) e futuro (reforma).Estes argumentos traduziram-se em mudanças nas políticas públicas que, em geral, contribuíram para quebrar o vínculo de confiança e lealdade que se criara entre o Estado e os cidadãos. Esta quebra foi ainda agravada por dois outros factores. Por um lado, o discurso dos neoconservadores, com forte presença na mídia, demonizou o Estado ao ponto de o transformar em fonte de todos os males da sociedade. Nos termos desse discurso, o Estado seria inerentemente ineficiente, predador e parasita e, portanto, o seu dano só se poderia reduzir reduzindo o seu tamanho, idealmente ao de um Estado mínimo. Por outro lado, a erosão que este discurso causou nos valores republicanos e no espírito de serviço público contribuiu para o aumento exponencial da corrupção com o consequente descrédito do Estado e da classe política.Tudo leva a crer que estamos a entrar numa nova fase. Os neoconservadores chegaram à conclusão de que tinham levado longe demais a sua crítica ao Estado. É que a desmoralização do Estado teve, em muitos países, o efeito perverso de incapacitar o Estado para realizar as próprias tarefas da agenda neoconservadora (garantir a segurança jurídica dos contratos, manter a ordem pública, defender a propriedade privada). Perante isto, foi necessário reclamar um certo regresso do Estado, mas de um Estado diferente: moderno, eficiente, tecnocrático, hi-tech, com espírito gerencial. Os governos de centro ou de centro-esquerda têm-se revelado mais bem equipados para levar a cabo este regresso. Ao fazê-lo, porém, correm sempre o risco de, ao acentuarem a eficiência tecnocrática, não cuidarem do reforço da cidadania sem o qual a confiança no Estado nunca será recuperada. Como evitar esse risco nas reformas da administração actualmente em curso? Será o tema de próxima crónica.
(*) é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)
*aviso: redigido em português europeu.

1 Comments:

Blogger Ronymaru. said...

www.millarai.blogspot.com

quarta mar. 22, 10:43:00 da tarde 2006  

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