:::Fantoches nunca mais::: "Alea jacta est!"

Política,sociedade e cultura.Para resumir em três tópicos seriam estes os temas pelos quais queremos sempre gerar uma polêmica ou expor nossos pensamentos.Todavia, no blog também há espaço para as coisas do coração,da alma e da vida que enxergamos de maneira peculiar e reagimos de maneira muito mais ímpar ainda.Aqui está aberto o espaço para nossas idiossincrasias.Boa leitura

domingo, dezembro 05, 2004

Missão Social do Advogado

(*) João Baptista Herkenhoff


A “Semana do Advogado” que se celebra cada ano, em torno do Dia da Fundação dos Cursos Jurídicos (11 de agosto), é tempo muito próprio para refletir sobre a missão dos profissionais do Direito.
Num mundo e numa época em que se perdem os referenciais éticos, os mais velhos têm o dever de ajudar os mais jovens a buscar o sentido essencial das coisas.
Ex-alunos que se tornaram advogados e alunos de hoje que se preparam para um dia servir ao Direito, como advogados ou mesmo noutros misteres ligados ao mundo jurídico, freqüentemente me interpelam sobre o que entendo deva ser o fundamento da ética profissional.
Destaco três pontos na ética do advogado: seu compromisso com a dignidade humana; seu papel na salvaguarda do contraditório; sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.
Em primeiro lugar, creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas?
Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.
Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo. A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.
Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é talvez a mais grave violação dos Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos que propomos aos jovens como “opção de vida” não são, obviamente, os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.
Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos. E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares.
De minha parte, não foi nos livros que aprendi Direitos Humanos, embora os livros tenham ajudado a organizar e a tornar metódico o pensamento. Aprendi Direitos Humanos irmanando-me aos oprimidos, nas suas lutas de dor, de sangue e de vida. Aprendi Direitos Humanos com meus companheiros da Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória e nas Comunidades Eclesiais de Base. Sobretudo aprendi Direitos Humanos nas prisões, nas chamadas “invasões”, na Catedral de Vitória que foi aberta aos “sem teto”. Aprendi Direitos Humanos nas margens do Rio Doce, onde famílias estavam sem casa em decorrência das enchentes do rio. Aprendi Direitos Humanos comungando lutas com os que batalhavam pela dignidade humana, proclamando o nome de Deus, e os que batalhavam por essa mesma dignidade humana, recusando nos lábios o nome de Deus. Mas Deus não é um nome, nem é uma proclamação verbal. Sempre me senti irmão de ateus, ou supostos ateus, que acreditavam na dignidade da pessoa humana. Sempre me senti um estranho entre supostos crentes, que proclamam o nome de Deus, mas entendem que a miséria e a injustiça são fatos naturais e se acomodam numa fé vazia. Esses supostos ateus, a meu ver, afirmavam e afirmam, sem o saber, a substância e a essência da Divindade, a Divindade Viva presente no rosto dos perseguidos e dos sofredores.
A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens.
Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de opressão, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz. Já Sêneca percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.
Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado. Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo mas não alcançam a alma. Não tema o advogado a opinião pública. Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.
(*) João Baptista Herkenhoff é advogado, escritor e livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo. e-mail: jbherkenhoff@uol.com.br